domingo, 7 de março de 2021

Boas perspectivas para tumores, apresentadas na ASCO 2020

ASCO20 Virtual Scientific Program

Oncologistas do Instituto Vencer o Câncer falam dos principais destaques do maior congresso de Oncologia do mundo

A edição de 2020 do Encontro Anual da American Society of Clinical Oncology trouxe novidades para o tratamento de diversos tumores. Neste ano, o maior congresso mundial de oncologia foi virtual e reuniu 40 mil especialistas para discutir novos avanços na prevenção, diagnóstico e terapias contra o câncer.

A Oncologia brasileira teve um destaque inédito: uma pesquisa coordenada pelo oncologista Fernando Maluf, fundador do Instituto Vencer o Câncer (IVOC) foi um dos destaques da sessão oral de próstata. Este é o primeiro estudo realizado e conduzido integralmente na América Latina a receber esta distinção, pela importância dos resultados para milhares de pacientes com câncer de próstata, o tumor mais prevalente entre os homens brasileiros, depois do câncer de pele não-melanoma.

A pesquisa avaliou um tratamento hormonal que não diminui a testosterona nos pacientes com câncer de próstata metastático, na maioria das vezes envolvendo ossos, gânglios, fígado ou pulmões. Os médicos brasileiros estudaram a hipótese de alternativas livres de ADT (sigla em inglês para androgen-deprivation therapy ou castração hormonal, que diminui os níveis de testosterona para patamares baixíssimos, o tratamento mais tradicional para o câncer de próstata avançado resistente à castração), com a utilização de medicamentos inibidores de sinalização de andrógenos (apalutamida e abiratraterona) que podem fornecer alta eficácia, com um perfil de segurança favorável e efeitos colaterais menores.

“Este estudo brasileiro é a primeira pesquisa mundial que compara formas novas de hormonioterapia que não levam à diminuição dos níveis testosterona versus a clássica castração, que causa uma série de efeitos colaterais tão indesejáveis”, afirma Maluf.

O comerciante José Carlos Oliveira, de 73 anos, recebeu o diagnóstico de câncer de próstata em 2018, quando seu médico explicou que ele poderia participar do estudo clínico brasileiro. “Este protocolo permitiu que eu continuasse trabalhando, seguindo minha vida com poucas alterações. Sinto uma felicidade muito grande de poder participar da pesquisa e ter um resultado muito positivo. Espero que, no futuro, represente um benefício para mais pacientes”, destaca Oliveira.

“É um resultado inédito e agora precisa de um patamar maior, com maior número de pacientes, para termos resultados com mais certeza”, ressalta Maluf.

Ainda para câncer de próstata, Fernando Maluf cita dois estudos promissores. O primeiro avaliou em 200 pacientes o uso de uma nova droga, inteligente, que liga uma molécula de radioterapia a uma proteína de membrana presente na célula prostática. A droga é injetada por via endovenosa; quando ela gruda na célula tumoral, a radiação é liberada de forma intensa no tumor. A análise comparativa desse medicamento versus quimioterapia mostrou que esse tratamento dobrou as chances de resposta do PSA e reduziu o risco de progressão da doença em quase 40% a mais dos pacientes. Segundo o oncologista, é uma opção para os pacientes com doença avançada que falharam os primeiros tratamentos hormonais e quimioterápicos.

O outro estudo, com 936 pacientes, avaliou novo papel da hormonioterapia para diminuir testosterona, só que diferentemente dos hormônios já usados, que eram injeções, esse é um remédio oral. “O resultado demonstrou que esse medicamento oral consegue diminuir a testosterona (que alimenta esse tumor) de forma mais impactante que as injeções, além de reduzir o risco de complicações cardiovasculares mais de 60% comparado com as injeções. A droga oral aparentemente é mais eficaz para diminuir a testosterona, pelo menos na marca de um ano, no qual o estudo foi desenhado, e também é mais segura do ponto de vista cardiovascular”, explica Maluf. O aspecto negativo é que esse medicamento ainda não está disponível em nenhum país, mas deve em breve ser submetido para aprovação.

No câncer de bexiga, o oncologista aponta um estudo com pacientes em estágio avançado, com doença metastática, premiado como um dos cinco mais importantes entre mais de 10 mil trabalhos submetidos no congresso. “Participaram 700 pacientes tratados com quimioterapia e aqueles que tiveram resposta ou pelo menos controle da doença, foram divididos em dois grupos: um recebeu imunoterápico e outro, placebo. O estudo que recebeu imunoterapia teve resultados muito bons”, informa Maluf.

Em câncer de mama, o oncologista Antonio Buzaid, um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer, ressalta que o encontro da ASCO apresentou a atualização de um estudo que avaliou o papel das assinaturas genéticas – genes avaliados na célula cancerosa para verificar se é possível evitar uso de quimioterapia em uma mulher que já operou. “O teste MammaPrint, que é aplicado em certas situações, foi atualizado com oito anos de seguimento. O resultado foi bem, mas não tão bem na mulher mais jovem. Nas mulheres acima de 50 anos, confirmou que não valia a pena dar quimioterapia, mas nas mais jovens, quando o teste apontou que o uso da quimio poderia não ser uma boa ideia, o resultado indicou que o grupo que recebeu quimioterapia teve 5% melhor evolução do que o grupo que não recebeu. Isso incomodou muitos de nós, médicos, que usamos esse teste e teremos que pensar em outras opções, talvez voltar ao Oncotype. Não há teste perfeito, mas teremos que rediscutir com nossas pacientes as opções”, avalia.

O oncologista cita também um importante estudo sobre sequência de remédios na doença avançada, com um novo medicamento aprovado no Brasil para câncer de mama, para quem tem alteração no gene PIK three CA, que ocorre em 40% dos casos desses tumores.

“Pacientes que recebem outro grupo de remédios, chamados inibidores de CDK4/6, quando usados na primeira linha com anti-hormônio, aumentam a sobrevida das pacientes em casos de câncer de mama avançado com essa mutação, aparecendo como boa estratégia”.

Buzaid esclareceu ainda outro estudo com um medicamento que inibe uma enzima especial em quem tem tumor com alteração genética de nascença. O remédio, aprovado para pacientes com mutação BRCA1/2 que desenvolvem câncer de mama, também demonstrou ser eficiente em pacientes que não têm esse defeito genético do nascimento, mas a célula cancerosa apresenta essa mutação genética. “Funcionou muito bem nesses casos e também para outro tipo de mutação, em pessoas que nascem com o PALB2”, afirma Buzaid.

 

Apesar de não ser o tipo mais comum, o câncer de pulmão é o que mais provoca mortalidades, tanto no Brasil quanto em outros países. O oncologista William William, diretor médico de Oncologia Clínica e Hematologia do Centro Oncológico da BP e integrante do Comitê Científico do IVOC avisa que o tratamento para esse tumor está sofrendo uma grande revolução nos últimos cinco a dez anos, com uma maneira de tratar completamente diferente do que era há uma década. “Os pacientes estão vivendo com mais qualidade de vida, por maior tempo e aumentando as chances de cura”, avalia.

O médico afirma que um conceito bastante desenvolvido em câncer de pulmão é o da medicina personalizada. “Hoje entendemos esse tumor não como uma doença única, mas várias. Cada tumor tem um defeito em suas moléculas, que faz com que se torne mais ou menos agressivo. Aprendemos que se identificarmos esse tipo de alteração em cada paciente, podem ser usadas medicações que atuarão especificamente em cada uma dessas alterações. Se junto o medicamento correto para o paciente com alteração específica, tenho uma eficácia bastante grande. A isso chamamos terapia-alvo, a personalização do tratamento”, explica William, destacando que uma novidade no encontro da ASCO deste ano foi a identificação de algumas alterações moleculares mais raras, que adequadamente tratadas levam a um grande controle da doença. “São alterações que podem acontecer em 1% a 2% dos pacientes com câncer de pulmão”.

Uma das vantagens desses resultados, aponta, é que com tratamento eficaz da doença avançada, essas estratégias também começam a ser usadas em casos em que o tumor não está tão avançado. “Antigamente nós operávamos e eventualmente dávamos alguma quimioterapia preventiva depois, e o tratamento parava por aí. No congresso vimos que se operarmos, dermos a quimioterapia, identificarmos o alvo correto e fizermos a terapia-alvo no pós-operatório, aumentamos as chances de cura do paciente”.

William cita ainda outra importante novidade em câncer de pulmão, com relação à imunoterapia, que aumenta o sistema de defesa do organismo. “Vimos combinações de duas imunoterapias diferentes mais quimioterapia sendo muito eficazes. Essas estratégias estão sendo refinadas e suas combinações podem levar ao controle da doença por anos; o câncer de pulmão passa a ser uma doença crônica como diabetes ou pressão alta”.

Buzaid salienta que a imunoterapia para câncer de pulmão avançado está cada vez mais presente e demonstra sinais de eficácia, até mesmo de cura numa fração de pacientes seguidos vários anos.

Comentando as apresentações no congresso voltadas ao câncer de ovário, o mais perigoso dos tumores femininos, Fernando Maluf citou um estudo importante que avaliou, em pacientes com recidiva da doença, o papel de uma nova cirurgia, além da quimioterapia. “Um estudo europeu, com 407 pacientes, mostrou que além da quimioterapia de resgate, para quem a doença infelizmente voltou, uma cirurgia de resgate tem papel importantíssimo de aumentar a chance de sobrevida das pacientes. A cirurgia deve ser feita em grandes centros, com ótimos cirurgiões”.

O oncologista ressalta outra pesquisa importante, com um inibidor de PARP responsável por evitar que o tumor reconstitua seu DNA quando está sendo atacado. “O estudo foi feito somente em mulheres com mutação BRCA1 e 2, responsável por 20% dos tumores de ovário. Para esse grupo em que a doença voltou, após novo tratamento com quimioterapia, essa droga conseguiu manter a doença controlável em boa parte das pacientes, em comparação com o placebo”.

Um terceiro estudo sobre câncer de ovário trouxe uma droga com ação de cavalo de tróia – já usada em outros tumores – que se liga a um receptor da célula do tumor, liberando dentro dela uma substância bastante tóxica, que não poderia ser liberada no sangue; ela atua como inibidor, evitando que a célula tumoral se prolifere. A análise envolveu 60 pacientes com esse tumor que já tinham falhados múltiplos tratamentos. Maluf explica que a droga proveu resposta de até 64% em pacientes cujas chances de respostas para medicações normais eram abaixo de 10%.

Sobre câncer de intestino, o oncologista Fábio Kater admite que “fazia tempo que não tínhamos novidades que pudessem mudar nossa prática diária e esse ano tivemos, em especial no tumor mais importante do sistema digestivo e um dos mais frequentes da população”. O trabalho foi realizado com pacientes que têm uma marcação chamada instabilidade de microssatélite, defeito que faz com que o organismo reconheça de forma errada a célula maligna, presente em 4% a 5% desses pacientes. “Os pacientes de câncer colorretal com instabilidade de microssatélite têm uma resposta bastante diferente; tumores com esse defeito de reparo talvez respondam menos à quimioterapia”, destacou Kater. O estudo resolveu considerar a resposta inflamatória que essa alteração provoca e utilizar imunoterapia ao invés de quimioterapia – até então havia resultados com uso de imunoterápicos para pacientes com câncer metastático em que havia falhado o tratamento padrão de quimioterapia. O resultado indicou que a imunoterapia foi melhor que a quimio nesses casos, com demora maior para o retorno do tumor e maior chance de resposta. Kater avisa que ainda não é possível definir se haverá aumento na sobrevida, porque o trabalho não está maduro suficiente. “Podemos concluir que para pacientes com câncer de intestino avançado que têm a marca da instabilidade do microssatélite a imunoterapia é uma ótima opção como primeira abordagem do tratamento. Esse tratamento não invalida o uso de quimioterapia subsequente, se porventura o paciente não responder”.

O uso de terapia-alvo em câncer de intestino foi objeto de um estudo com pacientes com mutação BRAF dentro da célula tumoral, que cria um cenário menos responsivo aos tratamentos. “Sabíamos que para essa população o bloqueio de alguns alvos específicos, inclusive BRAF, proporciona respostas melhores do que a quimioterapia. Mas não sabíamos se isso poderia repercutir em um ganho de expectativa de vida dos pacientes”, diz Kater, acrescentando que acompanhamentos mais longos demonstraram que para tumores BRAF com falha de uma linha de tratamento prévio o bloqueio com drogas-alvo específicas, associadas ou não a uma terceira droga, era melhor do que o tratamento padrão de quimioterapia. Segundo o oncologista, como essa opção é mais efetiva e tem menos efeitos colaterais, deve se tornar a melhor escolha.

 

No canal do Vencer o Câncer no Youtube você encontra mais informações sobre o Encontro Anual da ASCO 2020.

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