Por The New York Times | 08/07/2013 06:00
Animais recebem genes que os levam a desenvolver tumores nos mesmos órgãos dos humanos e são estudados com escâneres em miniatura
No Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston (EUA), um rato preto está sobre uma mesa para exame clínico em miniatura, com a cauda pendurada para fora.
Um tubo plástico leva anestésico ao nariz e à boca. Ele está dormindo. Antes de nascer, o rato recebeu uma injeção com dois genes que sofreram uma mutação comumente encontrada no câncer de próstata humano.
Enquanto está deitado na mesa, um técnico mede o tumor de próstata de dois milímetros com uma pequena máquina de ultrassom – o mesmo exame que um homem faria, só que numa escala de casa de bonecas.
"Eis o tumor", afirma o técnico, Bhavik Padmani, deslizando o aparelho sobre o rato enquanto uma forma com jeito de ameba branca brilhante se torna visível.
O animal está no que se chama de "hospital para ratos", uma nova maneira de utilizar roedores no estudo do câncer . Embora ratos sejam estudados em laboratórios comuns há anos, os resultados costumam ser decepcionantes. Em geral, o câncer é implantado sob a pele do rato, não nos órgãos em que se originariam. E as drogas que parecem funcionar nos ratos costumam ser inúteis em humanos.
O hospital para ratos do Beth Israel Deaconess e de alguns outros lugares estão na linha de frente de uma nova abordagem para o estudo do câncer humano. Os ratos recebem genes que os levam a desenvolver tumores nos mesmos órgãos dos humanos, ou seja, os pesquisadores necessitavam de escâneres para acompanhar o crescimento dos tumores dentro do organismo.
Assim, os hospitais para ratos contam com máquinas de ultrassom minúsculas, tomógrafos computadorizados, tomógrafos PET e aparelhos de ressonância magnética com macas pequeninas para colocar dentro os diminutos bichos.
Também existem farmácias capazes de manipular remédios em doses para ratos e laboratórios de exames clínicos criados especialmente para examinar as pequenas gotas de sangue e as ínfimas quantidades de urina. Assim é possível acompanhar o crescimento do câncer e respostas ao tratamento.
Além disso, com os avanços genéticos nos estudos dos tumores humanos, os pesquisadores não precisam implantar células de câncer humano em toda sua complexidade nos ratos para estudá-los; em vez disso, são capazes de dar a eles apenas alguns genes que sofreram mutação que parecem estimular o tumor.
Eles modificam geneticamente os ratos antes do nascimento e, então, com escâneres, observam o que acontece enquanto o câncer se desenvolve no órgão esperado – nesse caso, na próstata. Depois, podem experimentar drogas projetadas para atacar tais mutações genéticas e os cânceres causados por elas.
Por enquanto, o resultado tem sido assombroso. Os ratos com alguns genes cancerígenos desenvolveram a enfermidade na próstata ao crescer. O câncer reagiu ao tratamento padrão – castração ou, no caso dos pacientes, castração química com um remédio que inibe a produção de testosterona durante os testes. A seguir, como costuma acontecer em homens com câncer de próstata na fase avançada, os tumores nos ratos voltaram a crescer, resistindo ao tratamento via castração.
Porém, como tão poucos genes estavam envolvidos no câncer de próstata do rato, os investigadores, incluindo Andrea Lunardi, do Beth Israel Deaconess, podiam localizar com precisão as raízes genéticas da resistência ao tratamento. Pesquisadores já estudaram tumores na próstata, tentando descobrir como e por que se tornam resistentes ao tratamento, mas eram impedidos pelas centenas de mutações em células cancerosas, incapazes de desvendar quais eram importantes para o tratamento da resistência.
Em retrospecto, a solução parece óbvia, disse Pier Paolo Pandolfi, diretor científico do Beth Israel Deaconess Medical Center. Ao gerar ratos com somente uma ou duas mutações suspeitas por vez, os cientistas avançaram em meio à caótica confusão genética.
"Os dados embaixo de nossos olhos, mas não víamos porque havia muitas outras coisas acontecendo nos pacientes", explicou Pandolfi.
Ao compreender a origem da resistência ao tratamento em ratos, os investigadores poderiam testar formas racionais de evitá-los nos animais, baseados nos insights genéticos. Acabou que se tornou necessário utilizar mais de uma droga. O trabalho foi noticiado pela "Nature Genetics".
Muitos pesquisadores de câncer sugeriram que a melhor maneira de tratar a doença será com mais de uma medicação, fechando as rotas de fuga do tumor. Porém, o problema era escolher quais combinações medicamentosas experimentar.
"Se começarmos de forma aleatória jogando todas as combinações juntas, não existem pacientes suficientes no mundo para testá-las", afirmou Lewis C. Cantley, diretor do centro de câncer da Faculdade de Medicina Weill Cornell e do New York-Presbyterian Hospital que trabalhou com Pandolfi no estudo do câncer de próstata.
"Nós precisamos de fundamentação científica para escolher determinada combinação de medicamentos."
Os investigadores começaram uma pesquisa médica para saber se os estudos com ratos conseguem prever o que acontecerá aos pacientes e estão prestes a começar outra.
Segundo eles, talvez nunca tivessem avançado tanto sem os ratos com genes do câncer humano e o hospital para ratos para estudá-los.
"É uma forma muito inteligente e inovadora de tentar aprimorar o tratamento do paciente", declarou Scott Eggener, diretor do programa de câncer de próstata da Universidade de Chicago, que não participou da pesquisa. "Agora cabe a eles provar que funciona em humanos."
Logicamente, esse é o objetivo dos dois estudos clínicos.
Cada participante será comparado com coleções de ratos substitutos, com cada grupo de ratos produzidos para carregar combinações diferentes de alguns dos principais genes do câncer de próstata humano. Os ratos vão desenvolver tumores, da mesma forma que os homens, e receberão os mesmos tratamentos que os homens.
Contudo, como cada rato terá somente uma ou mais das mutações fundamentais da enfermidade, os pesquisadores poderão ver se um tratamento está agindo como deveria e analisar o motivo da resistência, caso ocorra. Segundo Pandolfi, os estudos serão os primeiros a testar tratamentos em ratos e homens ao mesmo tempo.
Os pacientes serão homens cujo câncer avançado se tornou resistente ao tratamento padrão com a castração química. Para fugir da droga, os cânceres ativam genes que lhes permitem produzir a própria testosterona. Alguns chegam até a fabricar uma versão mais poderosa do hormônio, a di-hidrotestosterona.
"Para nossa surpresa, ao longo do tempo, as células do câncer de próstata se tornam quase órgãos endócrinos miniatura", disse Glenn J. Bubley, diretor de oncologia médica geniturinária do Beth Israel Deaconess.
As células do câncer também têm um jeito de sobreviver ainda que o fornecimento de hormônio seja cortado. Elas inativam os genes que normalmente os fariam se suicidar quando privados de testosterona ou de sua prima mais potente.
No estudo recém-começado, homens com câncer de próstata avançado receberão Zytiga, fabricado pela Janssen Biotech, que impede os tumores de produzir testosterona, em conjunto com uma droga experimental feita pela Novartis que impede as células cancerígenas de inativar o programa suicida – pelo menos nos ratos com os genes do câncer de próstata humano.
No outro estudo, a ser iniciado em breve, eles testarão uma mistura de medicamentos – Avodart, da GlaxoSmithKline PLC, para inibir a produção de di-hidrotestosterona e outra droga, a embelina, substância natural, para impedir as células de desativar os genes suicidas.
Don De Grandis, 58 anos, é o paciente número um do primeiro estudo. Ele descobriu em outubro que tinha câncer de próstata quando o que julgava ser uma distensão muscular nas costas se revelou dor óssea causada pelo câncer já espalhado na medula.
Ex-funcionário de um depósito em North Easton, Massachusetts, De Grandis logo sofria dores excruciantes, mesmo com as doses pesadas de narcóticos. O câncer estava num estágio avançado demais para ser curado, e o medicamento padrão para impedir a produção de testosterona parou de funcionar.
Ele entrou para o estudo em março. Algumas semanas depois, a esposa, Kathleen, viu que algo estava acontecendo.
"Ele preparou o jantar para mim. Estava muito bom: macarrão com champignon, carne de peru moída e queijo. Com uma salada linda."
Segundo a esposa, antes ele sentia dores e cansaço demais para sair da cama.
O médico, Bubley, percebeu que seus níveis de PSA, um indicador do crescimento do câncer de próstata, haviam começado a cair.
De Grandis passou a usar bengala em vez de andador e reduziu os narcóticos pela metade. Contudo, alertou Bubley, trata-se de um estudo clínico em fase inicial, interessado principalmente nas dosagens das drogas e na segurança de seu uso. Ainda existem muitas coisas desconhecidas e nenhuma garantia.
Por enquanto, alguns dos ratos substitutos recebendo as mesmas medicações do paciente também estão reagindo, asseguram Bubley e outros pesquisadores. O câncer – e sua resposta ao tratamento – se espalha rapidamente em ratos, assim os animais podem antecipar o que deve ocorrer aos homens aos quais estão ligados.
Agora, os pesquisadores vão acompanhar De Grandis e os ratos que estão reagindo para ver quanto tempo duram os efeitos positivos. Eles farão análises similares dos outros homens que vão participar do estudo para saber o quanto os ratos espelham os homens e se a combinação de remédios também funciona com outros.
Enquanto isso, De Grandis disse esperar mais um bom ano de vida.
"Quero apenas passar mais tempo com a minha família."