sexta-feira, 24 de junho de 2022

Congresso internacional traz avanços no combate ao câncer

Terapias que aumentam a sobrevida de pacientes com tumor colorretal e de mama são os destaques do evento

Paloma Oliveyo

postado em 12/06/2022 06:00

 

(crédito: ANNE-CHRISTINE POUJOULAT)

Depois de dois anos no formato virtual, o congresso da Associação Norte-Americana de Oncologia Clínica, o Asco, voltou a reunir mais de 40 mil pessoas em Chicago, trazendo importantes novidades para o tratamento de câncer. Segundo especialistas, o evento, encerrado no último dia 7, atendeu às expectativas e mostrou que, apesar da pandemia de covid-19, foi possível avançar nos estudos sobre novas estratégias de tratamento. Também mereceu destaque o debate sobre a desigualdade no acesso aos medicamentos, o que se agravou durante a crise sanitária mundial.

De tumores raros aos mais comuns, ao longo de cinco dias, pesquisadores do mundo todo apresentaram, literalmente, milhares de resultados de estudos, incluindo as sessões de pôsteres. Na avaliação de médicos que participaram do evento, as pesquisas que mais repercutiram na comunidade científica foram relacionadas a câncer colorretal e de mama. Alguns dos artigos sobre essas doenças mostraram importantes ganhos na sobrevida dos pacientes.

Para o oncologista Cristiano Resende, do Grupo Oncoclínicas, a "menina dos olhos" do congresso foi a fase 3 do estudo Destiny, com pacientes de câncer de mama metastático. "O estudo foi apresentado na Plenária, com 100% dos médicos assistindo. Foi ovacionado, o público ficou de pé por um minuto e meio, aplaudindo", relata o médico, que também levou um trabalho ao congresso (Leia mais nesta página). O motivo da comoção foi o aumento significativo da sobrevida livre de doença (quando o câncer está em remissão) e da sobrevida global de pessoas que, até então, não tinham a opção de serem tratadas com uma droga que já se mostrou muito eficaz no tratamento de tumores mamários.

Estima-se que metade das pacientes de câncer de mama possam ser beneficiadas com a descoberta. São pessoas que têm a forma metastática da doença, mas que apresentam baixa expressão de um receptor nas células cancerosas que é alvo do medicamento trastuzumab deruxtecan, uma combinação de anticorpo monoclonal com quimioterápico. "Há alguns anos, esse remédio mudou a prática clínica", observa Resende.

Porém, a substância destina-se apenas às mulheres que têm uma grande quantidade do receptor HER2 nas células doentes. Aquelas cujos testes mostram uma expressão negativa ou duvidosa — classificadas agora de HER2-low (low de baixo, em inglês) não tinham indicação para esse tratamento. Agora, contudo, pesquisadores mostraram que essa população também pode ser tratada com o trastuzumab deruxtecan e ter um ganho significativo. O estudo do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, incluiu 557 voluntárias com o perfil HER2-low. Dessas, 373 receberam o medicamento, e as restantes foram tratadas com a quimioterapia padrão.

Segundo os pesquisadores, comparadas ao segundo grupo, nas mulheres que receberam o trastuzumab deruxtecan, o risco de a doença crescer e se espalhar foi 49% menor. A mortalidade durante o acompanhamento — 18,4 meses — foi 36% menor. "Nosso estudo mostra que a substância pode ser uma nova e altamente efetiva opção de terapia alvo disponível para a nova classificação das pacientes", disse, em um comunicado de imprensa, Shanu Modi, principal autor do estudo.

O medicamento foi aprovado no Brasil neste ano para as pacientes com HER2 positivo. O laboratório já entrou com pedido de inclusão daquelas com perfil HER2-low na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Porém, sendo um remédio novo e muito caro — o tratamento de uma pessoa chega a US$ 50 mil —, ele não é ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e mesmo as usuárias de planos privados podem ter dificuldade de consegui-lo no país.

100% de remissão

Um fato inédito na história do congresso foi a apresentação de um estudo que relatou 100% de remissão de um raro tumor retal em estágio avançado. Pessoas com o chamado dMMR têm uma alteração molecular que dificulta a resposta ao tratamento padrão — quimio e radioterapia. Essa anomalia, que acontece no momento em que a célula faz cópias do DNA, está presente em aproximadamente 5% a 10% de todos os tumores de reto, segundo os autores da pesquisa. Tratados por seis meses com o imunoterápico dostarlimab aplicado via venosa a cada três semanas, todos os participantes do estudo se viram livres do câncer retal dMMR, o que foi comprovado em avaliações radiológicas e endoscópicas.

O número de pacientes envolvidos foi pequeno, 14, mas o suficiente para o trabalho ser reconhecido como um dos mais importantes do congresso. "As respostas nesses primeiros pacientes foram notáveis e excedem o que esperávamos com a quimioterapia padrão mais radiação", comenta a oncologista gastrointestinal Hanna K. Sanoff, que não participou da pesquisa. Segundo a médica do Hospital do Câncer da Carolina do Norte, nos EUA, como esses tumores retais não respondem bem à quimioterapia e à radiação, muitos pacientes precisam ser operados. "Infelizmente, a cirurgia pode resultar em consequências notáveis para a saúde, incluindo danos nos nervos, infertilidade e disfunção intestinal e sexual."

O dostarlimab é uma imunoterapia e deve chegar ao Brasil em agosto, com a indicação para tratamento de câncer de endométrio. No estudo, que, no fim, será feito com 30 pacientes, todos os 14 participantes tinham câncer retal dMMR nos estágios 2 e 3, mais avançados. "Gostaria de destacar que a maioria desses pacientes tinha tumores grandes e volumosos. O padrão de atendimento para eles provavelmente exigiria as três modalidades de tratamento: quimioterapia, radioterapia e cirurgia", disse, na apresentação do estudo, Andrea Cercek, chefe da seção de câncer colorretal do Memorial Sloan Kettering Cancer Center e um dos autores do artigo, publicado simultaneamente na revista The New England Journal of Medicine. Na publicação, os dados são de 12 pessoas, mas o número subiu posteriormente.

"Nós já tratamos um total de 14 pacientes, e todos — 100% — tiveram uma resposta clínica completa apenas com dostarlimab. Nenhum paciente necessitou de quimioterapia, radioterapia ou cirurgia. Não houve evolução de grau do tumor. Não foram observadas recorrências da doença", continuou Cercek, ressaltando que é necessário um acompanhamento mais longo dessas pessoas para estabelecer a durabilidade do tratamento. Por enquanto, elas foram avaliadas ao longo de dois anos.

 

Três perguntas para

Fernando Maluf, oncologista e fundador do Instituto Vencer o Câncer

A pandemia de covid atrapalhou de alguma forma as pesquisas na área oncológica?

A pandemia atrapalhou a pesquisa e o tratamento de câncer no mundo inteiro, e um dos motivos principais foi o isolamento. O que aconteceu é que o número de pacientes incluídos nos protocolos clínicos caiu drasticamente. Muitos deles acabaram tendo dificuldade de acesso aos centros. No nosso país, houve, em vários locais onde a estrutura de câncer era acoplada a áreas não oncológicas, o direcionamento de leitos para a covid; salas de aplicação de quimioterápicos direcionadas a outras condições; e UTIs lotadas. O que aconteceu foi que, por uma questão estrutural, muitos hospitais tiveram uma redução no atendimento de pacientes de câncer.

Houve muitas expectativas em relação ao Asco 2022, por ser o primeiro congresso presencial desde 2019. Os trabalhos apresentados corresponderam ao que se esperava?

Foi muito bom ser presencial porque a gente consegue, outra vez, o que não consegue on-line, que é interagir com colegas e lideranças do mundo inteiro e desenhar projetos de pesquisa trabalhando como um grupo. Os trabalhos corresponderam às expectativas. Houve estudos de câncer de mama importantes, como o Destiny, que mostrou um ganho de sobrevida livre de progressão muito significativo. Outro estudo com 12 pacientes de tumor de reto que tiveram resposta completa só com o imunoterápico, sem precisar de quimio, rádio ou cirurgia. Além disso, houve consolidação importante, como os radiofármacos, o caso de câncer de próstata metastático resistente à castração; o papel da imunoterapia, aumentando a sobrevida de pacientes com câncer de colo de útero; novas drogas imunoterápicas no tratamento do câncer de bexiga superficial; e a introdução de novos agentes nos cânceres de cabeça e pescoço, aumentando a sobrevivência com a radioterapia. São estudos muito importantes porque podem beneficiar pacientes a curto prazo.

Além de resultados de estudos, o congresso abordou a desigualdade no acesso a medicamentos. Como foi esse debate?

Isso foi assunto de várias mesas do congresso. Não adianta ter tecnologia se ela não chega às pessoas como um todo. Então, acho que existe até do ponto de vista das agências internacionais uma preocupação maior de como a gente consegue garantir equidade no cuidado do paciente oncológico dentro dos próprios países e também entre os países do mundo inteiro. 

 

Aumento dos casos de metástase

A pandemia de covid não fez vítimas somente entre os infectados pelo Sars-CoV-2. Pacientes de câncer foram prejudicados, o que teve como consequência uma redução do diagnóstico em fase inicial, dificultando as chances de cura. Um trabalho brasileiro apresentado na sessão de pôsteres do Congresso da Sociedade Norte-Americana de Oncologia Clínica (Asco) encontrou uma diminuição estatística importante nos atendimentos, ao mesmo tempo em que aumentou o número de pacientes com metástases.

O estudo foi realizado com base nos dados de quase 12 mil pessoas atendidas pelo grupo Oncoclínicas em todo o país, inclusive em Brasília. Os pesquisadores compararam a quantidade de pacientes de câncer de mama que buscaram as clínicas da rede entre 2018/2019 com as que procuraram ajuda médica entre 2020/2021.

"Houve uma diminuição no número de pacientes iniciais (que se consultaram pela primeira vez), passando de 68% para 58%. Ao mesmo tempo, aumentou o número de pacientes com doença metastática, de 12% para 19%", diz o oncologista Cristiano Resende, um dos autores da pesquisa. Ele explica que, embora o estudo não tenha investigado relação de causa e consequência, é muito provável que as estatísticas sejam explicadas pela pandemia, quando muitas pessoas deixaram de sair de casa para fazer os exames de rotina que podem detectar a doença em fase inicial.

"Fica muito claro que isso está relacionado à falta do exame de rastreamento", observa Resende. "Estamos falando de uma doença que, quando metastática, é incurável. Houve um aumento de pacientes com metástases de 7%. Exatamente na faixa etária onde havia mais chances de prevenir, que são as mulheres com mais de 50 anos e na pós-menopausa. Esse também é o grupo de maior risco de covid. Então, acreditamos que muitas pessoas deixaram de fazer os exames devido ao isolamento." 

terça-feira, 21 de junho de 2022

O sofrimento dos brasileiros com os planos de saúde

O STJ definiu que o rol de cobertura obrigatório das operadoras de saúde no Brasil é taxativo. Ou seja, a partir de agora convênios médicos estão respaldados a negar o pagamento de terapias não previstas na lista. A decisão coloca os consumidores em situação de medo e insegurança

 


INCERTEZA Ana Maria luta contra um câncer de ovário que se tornou metastático (Crédito: João Castellano)

Fernando Lavieri

“Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são”. Uma das frases mais famosas da literatura brasileira contida no livro Macunaíma, de Mário de Andrade, serve como ponto de reflexão sobre um dos temas problemáticos do País, a saúde de seus cidadãos. Desta vez, o que chama atenção e é motivo de preocupação de mais de oito milhões de pessoas é a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), alterando o rol de cobertura obrigatória das operadoras de saúde. A Corte resolveu que, a partir de agora, a lista que cobre financeiramente procedimentos cirúrgicos, terapias, medicamentos, entre outras atividades ao segurado enfermo é taxativa. Ou seja, os planos de saúde, que antes eram obrigados pela Justiça a pagar a conta em caso de haver a necessidade de o consumidor ter de passar por novos procedimentos, ficam respaldados a negar tratamentos e remédios. Segundo a deliberação, as empresas não precisam mais arcar com os custos de quaisquer tratamentos fora do rol oficial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mesmo que haja sentenças nesse sentido.

“O convênio me negou medicamento, exame e imunoterapia. Tive que entrar com processo contra o plano diversas vezes” Ana Maria Teixeira Eland, 66 anos, paciente em tratamento contra o câncer

Na verdade o que fez o STJ foi jogar um banho de água fria sobre os consumidores, já que o próprio Poder Judiciário havia reconhecido, por meio de diversas decisões, que o rol se tratava de algo exemplificativo, que, dependendo da situação, deveria incluir outros procedimentos. Em resumo, os 3.300 procedimentos, que já constam na lista como despesas obrigatórias para os convênios, se tornam uma camisa de força para quem precisa de alguma nova terapia com rapidez. Pessoas que estão em tratamento podem ter suas terapias sumariamente interrompidas. Dinâmica como é a área da medicina, inovações surgem de forma constante. “A decisão é ruim. Agora, as pessoas vão ter que pagar por fora por tratamentos inovadores”, diz Renata Abalém, especialista em direito do consumidor e integrante da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-SP. Ela tem razão. “Atualmente, há adultos diagnosticados com autismo, e com isso, surgem necessidades diferentes”, diz.

O reconhecimento de inovações acontece de fato. As novidades entram sim no rol de cobertura das operadoras de saúde. Ocorre, no entanto, que essa atualização não se dá do dia para noite. Se exige para tal, longuíssimos cento e oitenta dias, e, somente após esse período, é que remédios, tecnologias ou terapias são acolhidos. “Esse é o tempo necessário para que um novo fármaco, por exemplo, seja analisado com o devido rigor científico”, pontua Vera Valente, diretora executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), organização que representa quinze grupos de operadoras e 40% dos beneficiários dos planos de assistência médica. Segundo Vera, a decisão do STJ foi equilibrada porque trás previsibilidade ao setor. “A situação anterior, poderia comprometer o funcionamento de empresas médias e pequenas”, diz ela. Mas seu raciocínio recebe criticas de todos os lados.

“Precisei recorrer para que Manuela fizesse um exame, tivesse acesso ao canabidiol e passasse por cirurgia” Jéssica Brandão, mãe de Manuela, de 5 anos, que sofre de displasia cortical

“Vai aumentar a quantidade de incursões na Justiça para garantir o que deveria ser um direito”, diz Renata. “Somente nos tribunais conseguimos assegurar o prosseguimento de muitos tratamentos e, consequentemente, evitar mortes”, afirma Columbano Feijó, advogado, especialista em direito de saúde suplementar, e sócio da Falcon, Gail, Feijó & Sluiuzas Advocacia. Quer dizer, se antes da deliberação era difícil as operadoras aceitarem pagar, agora vai ficar pior, pois tribunais de primeira instância certamente serão impactados pelo que definiu o STJ, e, assim, o que antes era julgado de forma favorável ao consumidor, agora poderá ser analisado de maneira contrária. “Uma pessoas que está em tratamento contra o câncer, por exemplo, e precisa de uma cirurgia ou um medicamento novo rapidamente pode não ter tempo de espera e morrer”, explica Columbano Feijó. Ele diz que o paciente passa a ser obrigado a comprovar que o tratamento solicitado pelo médico fora da lista é realmente algo que lhe será benéfico. “Os planos de saúde estão respaldados a negar tudo que estiver fora do rol”, afirma.

Os clientes dos planos de saúde se mostram amedrontados com a situação de insegurança criada a partir de agora. É o caso de Jéssica Brandão, mãe da Manuela, de 5 anos. Desde os dois, a criança tem epilepsia, e chegou a ter trinta episódios de instabilidade diários. “Minha filha me abraçava e dizia que a crise estava chegando”, conta Jéssica. Para ajudar Manuela, Jéssica precisou recorrer à justiça três vezes contra o convênio. Primeiro para fazer um importante exame, o qual definiu o diagnostico, mas que tem o custo de R$ 14 mil. Depois, ela foi aos tribunais para garantir que Manuela tivesse acesso ao canabidiol, remédio que reduziu as crises a dez casos por dia. A menina tem que tomar dois frascos por mês, mas devido ao preço, o tratamento seria descontinuado, já que cada unidade custa R$ 2.500. O terceiro momento que precisou processar o plano de saúde foi quando o recebeu o diagnostico: displasia cortical. “Com uma liminar conseguimos que ela fosse operada”, afirma. Hoje, a epilepsia desapareceu, mas a criança ainda precisa de algumas medicações, inclusive o canabidiol. “É uma fase de desmame, tenho medo que o plano deixe de fornecer”, diz.

“Quando me olhava no espelho sentia nojo. Essa situação me afeta socialmente”
Patricia Grunheidt, de 48 anos, passou uma cirurgia bariátrica e aguarda algumas reparações

O pavor de não conseguir manter o tratamento é um sentimento compartilhado por muitas pessoas. A diretora de marketing Patricia Grunheidt, de 48 anos, também está nessa luta. Ela se submeteu a uma cirurgia bariátrica em 2013, quando pesava 130 quilos. Reduziu o peso para 64 quilos e, como todas as pessoas nessa condição, precisou passar por manobras cirúrgicas para reparação de sobras de pele. Já esteve na sala cirúrgica em três ocasiões, pois todo o seu corpo precisou de reparos. Mas somente conseguiu que o plano pagasse pelos procedimentos com uma liminar nas mãos “Quando me olhava no espelho sentia nojo. Essa situação me afeta socialmente”, afirma. O convenio médico se dispôs a pagar por parte dos procedimentos, mas não pelo total. Ela diz que tem medo de não poder dar continuidade ao tratamento. “Justamente agora que só preciso cuidar dos braços”, conta.

Outra amostra de como o rol de cobertura taxativo é prejudicial aos consumidores, até em situações que a pessoas está acamada há necessidade de recorrer à justiça. É o que conta Ana Maria Teixeira Eland de 66 anos. Ela luta contra um câncer de ovário que se tornou metastático e também com sua assistência médica. O convenio lhe negou medicamento, exame e imunoterapia. “Tive que entrar com processo contra o plano diversas vezes”, conta. Uma das drogas que lhe mantém viva, ingerindo dois comprimidos por dia, tem o preço de R$ 25 mil. “O rol taxativo representa uma incerteza a mais”, disse.

A deliberação do STJ ocorreu na quarta-feira, 8, e teve seis votos a favor do rol taxativo, incluído o do relator, ministro Luis Felipe Salomão. Acontece, no entanto, que decisão tomada com tamanha tranquilidade pelos magistrados representa, agora, enorme preocupação para pessoas que estão em tratamento de saúde complexos. Mais: confirma que Mário de Andrade tinha razão, a condição natural de crescimento do formigueiro e de pouca saúde dos brasileiros vai permanecer. No mundo da política, especialmente no Senado, houve uma reação contraria à decisão do STJ. A senadora Mara Gabrilli, (PSDB), por exemplo, diz que essa é uma discussão antiga no Congresso e afirma de maneira contundente que a definição é ruim a toda a população, especialmente, para pessoas portadoras de deficiência, autistas e gente que tem doenças raras. “Essas pessoas vão ficar desamparadas, o rol taxativo mata”, afirma Mara. Ela conta que está articulando uma reação junto ao também senador Randolfe Rodrigues (Rede Sustentabilidade), que tem um projeto de lei que, se aprovado, muda o cenário e torna a lista exemplificativa. De qualquer forma, nesse jogo político que se desenvolve quem está sempre ameaçado e perde é o consumidor.

 

Saiba como a decisão do STJ sobre rol taxativo afeta planos de saúde

Ao decidir que apenas os procedimentos listados pela ANS, conhecido como rol taxativo, devem ser cobertos pelos convênios, Superior Tribunal de Justiça limita a obrigatoriedade, o que levanta dúvidas nos usuários

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que os planos de saúde devem oferecer aos usuários apenas os procedimentos listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o chamado rol taxativo. Na prática, a maioria dos serviços continuarão sendo cobertos pelos convênios. Contudo, há limitação de novidades e soluções inovadoras, o que poderá prejudicar alguns tratamentos, especialmente de pessoas que têm doenças ou deficiências incomuns.

O rol da ANS com mais de 3,7 mil procedimentos vinha sendo considerado exemplificativo pela maior parte de decisões judiciais sobre o tema. Isso significa que os pacientes que tivessem procedimentos que não constassem na lista poderiam recorrer à Justiça para ampliar o atendimento.

Assim, procedimentos ou medicamentos que tivessem semelhança com os que já estavam previstos, eram adicionados à conta do plano de saúde. Com o novo entendimento do STJ, os convênios devem atender apenas à lista da agência, que já contém toda a obrigatoriedade de cobertura. Ou seja, o que está fora, não precisa ser pago pela operadora.

Segundo a especialista em direito civil Ana Luísa Araújo Machado, "em outras palavras, salvo em situações excepcionais, as operadoras não serão obrigadas a custear tratamentos médicos que não constem desta lista se nela existir alternativa igualmente eficaz, efetiva, segura e já incorporada".

Machado explica que a regra admite exceções. "É o caso, por exemplo, de quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) sugere algum procedimento em específico ou nos casos de tratamento para câncer em que se utiliza medicação off-label, entre outros", disse. Ana Luísa ressalta que a taxatividade do rol não significa que os planos de saúde só podem oferecer o que está previsto na lista. "As operadoras não têm, a partir de agora, obrigação em fornecer os procedimentos não previstos na lista, mas faz parte da liberalidade delas oferecer coberturas ampliadas ou negociar com os segurados aditivos contratuais", afirmou.

A determinação do STJ, contudo, admite excepcionalidades. O ministro da Corte Villas Bôas Cueva ressaltou a possibilidade de concessão de excepcionalidades: cada consumidor, por termo aditivo no contrato do plano, pode requerer a ampliação da cobertura, caso deseje um tratamento específico — naturalmente os valores das mensalidades serão maiores.

Portanto, segundo Ana Luísa, apesar de a decisão dos ministros do STJ não ser absolutamente vinculante às instâncias inferiores, o resultado é um marco expressivo na regulação das operadoras e planos de saúde e tende a fazer com que, a partir de hoje, caminhe para corroborar com o entendimento da natureza taxativa do rol.

Prejudicial

Carlos Eduardo Gouvea, vice-presidente da Aliança Brasileira da Indústria inovadora em Saúde (ABIIS), aponta que o rol taxativo acabou afetando alguns setores que têm situações muito críticas. "Como, por exemplo, as doenças raras, que têm um caso para cada 10 mil, e que muitas vezes a terapia essencial para aquela determinada doença são 'life saving' e não constam no rol da ANS."

De acordo com Gouvea, a situação acaba diminuindo o acesso a novas terapias e fica restrito ao que está pré-aprovado, dificultando inclusive questões judiciais. "Tínhamos muitos medicamentos que já eram aceitos mesmo que de forma judicializada", pontuou.

Fim da divergência

A determinação do STJ encerrou a divergência jurisprudencial que se estendia desde 2019. Naquele ano, o ministro Luis Felipe Salomão inaugurou a controvérsia ao afirmar que o rol é meramente exemplificativo. A ANS já considera a natureza taxativa do rol desde a elaboração da última resolução normativa, em julho do ano passado. Em contrapartida, a jurisprudência majoritária entendia o rol meramente exemplificativo. Na prática, o julgamento precisava decidir se o rol deveria ser taxativo, oferecendo e limitando a lista de procedimentos obrigatórios, ou exemplificativo, servindo como uma referência mínima de serviços a serem oferecidos pelos planos de saúde. Por seis votos a três, a 2ª Seção do STJ determinou que o rol é taxativo, mantendo a obrigatoriedade de atendimento para os casos previstos na lista da ANS, mas com critério, abrindo a possibilidade de análise das exceções. O rol da ANS compreende todas as doenças previstas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS).

 

Tira-dúvidas

O que é o rol taxativo?

Taxatividade significa que aquele rol enxuga determinados tipos de tratamento. Ou seja, o plano não é obrigado, em tese, a cobrir nada que esteja fora da lista de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Esta lista é básica e não contempla diversos tratamentos, como medicamentos aprovados recentemente, alguns tipos de quimioterapia oral e de radioterapia, e cirurgias com técnicas de robótica, próteses, entre outros.

Quais procedimentos perdem a cobertura dos planos de saúde?

A nova regra limita o número de sessões ou outros tipos de soluções médicas para algumas terapias de pessoas com autismo, doenças raras (aquelas que há uma a cada 10 mil pessoas) e outros tipos de deficiência. Os planos de saúde podem recusar esses tratamentos. No antigo modelo, ao ter a terapia semelhante, o plano de saúde poderia aceitar pagar ou conceder reembolso. Agora o acesso a novos produtos, diagnósticos, dispositivos ou medicamentos que não estão aprovados de forma oficial no rol da ANS, não terão obrigação de cobertura dos planos.

Há exceções?

O entendimento do STJ é de que a lista, embora taxativa, admita algumas exceções, como terapias recomendadas expressamente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tratamentos para câncer, portadores de HIV ou algum tipo de mutação genética que atinge mais pessoas, também terão continuidade no tratamento. Há ainda a previsão para caso não haja substituto terapêutico ou depois que os procedimentos incluídos na lista da ANS forem esgotados, o plano arca com a cobertura de tratamento fora do rol, indicado pelo médico ou odontólogo assistente. Aquelas situações que atingem a maioria das pessoas, situações normais e comuns continuarão sendo atendidas.

Como comprovar a eficácia de outro tratamento?

Os caminhos ainda precisam ser melhor esclarecidos. Mas, geralmente, a comprovação é feita pelo próprio fabricante ou sociedade médica quando tem uma nova tecnologia, tratamento ou medicamento. Eles submetem-se à ANS, com todas as exigências e trâmites especificados pela agência. O prazo para o aval pode durar de seis meses a dois anos. O grande problema é que, na maioria das vezes, o fabricante não está no Brasil ou não há interesse comercial para tratamentos de doenças que têm pouca frequência na população e uma oferta menor no mercado nacional.

O que o cidadão pode fazer ?

A ANS tem aberto canais para o cidadão, pelo próprio site da agência, clicando no "espaço do consumidor" (que pode ser acessado pelo endereço eletrônico: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/consumidor). Nesse espaço, o cidadão pode consultar a cobertura específica e denunciar caso o plano não esteja cumprindo a regra. É possível fazer a reclamação diretamente à agência, que deve notificar as operadoras sobre a reclamação e fazer uma devolutiva ao cidadão. A pessoa também pode enviar a proposta para a operadora com a previsão da ANS. Caso não haja manifestação de nenhum dos envolvidos, a saída é judicializar. O paciente ou cidadão deve comprovar que sua situação entra no rol de exceções. A ação é movida contra a operadora.

Quais pontos se deve ficar de olho?

É preciso observar a própria situação e necessidade de atendimento e se consta ou não no rol. É importante também questionar se a operadora de fato está atualizada com a lista mais recente da ANS, caso perceba algum tipo de desvinculação com o rol atual deve-se imediatamente fazer a reclamação na própria operadora e na ANS. Você pode conferir a lista da ANS pelo site da agência na aba de "espaço do consumidor" e "o que o seu plano deve cobrir"

https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/06/5014895-saiba-como-a-decisao-do-stj-sobre-rol-taxativo-afeta-planos-de-saude.html

terça-feira, 14 de junho de 2022

Brasileiro supera câncer na perna e amputação para escalar Everest

 João Carlos foi até a base sul do pico, a mais de 5,3 mil metros de altura

Foto: Arquivo Pessoal

Carlos Saci realizou na Ásia sonho adiado pela pandemia e já planeja as próximas aventuras

·         Andreia Bahia

9 mai202205h10

| atualizado às 08h38

Vinte anos depois do primeiro diagnóstico de câncer no joelho e quatro recidivas, que resultaram na amputação da perna esquerda e a retirada de parte do pulmão esquerdo, o paratleta goianiense João Carlos Rodovalho Costa, de 38 anos, comemorou em abril a chegada à base do Monte Everest, o mais alto do planeta, no Nepal.

Do início da trilha, no dia 10, na cidade de Lukla, ao acampamento Base Sul do Everest, que fica a uma altitude de 5.364 metros, foram sete dias, sendo cinco deles caminhando por cerca de seis horas diárias. A expedição fez duas pausas em vilarejos da região para aclimatação e enfrentou temperaturas que variaram de 10 graus - quando havia sol - a 15 graus negativos durante a noite.

Apesar de contar com apenas metade do pulmão esquerdo, Carlos Saci, como é conhecido em razão da perna amputada, só teve a oxigenação reduzida quando atingiu 4,9 mil metros de altitude. Ao final da trilha, Carlos foi buscado por helicóptero; não por exaustão, mas porque um pelo inflamado no coto da perna estava provocando muita dor. Mas o fato de ter trilhado a longa jornada já foi um prêmio.

Superação e sonho

A ideia de subir o Everest surgiu em 2019, quando um amigo participou de uma dessas expedições para o monte. À época, ele treinava crossfit e, desde 2015, quando havia tido alta da última recidiva do câncer e, logo depois, sido campeão em uma corrida de obstáculos de muleta, buscava "novos desafios que me tirassem da zona de conforto e trouxessem outros tipos de treinamentos", conta ele.

Incorporou à rotina de exercícios caminhadas, trilhas, musculação e fisioterapia. Com a pandemia de covid, o projeto que era para 2020 foi adiado para o ano seguinte e, depois, para este ano. Os recursos dos patrocinadores já não foram suficientes e Carlos chegou a fazer uma vaquinha nas redes sociais para arrecadar R$ 20 mil e cobrir a diferença. Somou R$ 5 mil em doação.

De volta a Goiânia desde o dia 24, Carlos já pensa nos próximos desafios, o revezamento no Canal da Mancha, entre o Reino Unido e a França, para o qual tem o convite, e subir outras montanhas. "O esporte foi o que me ajudou nessa caminhada e se antes o que me motivava era competir, hoje são os desafios pessoais", afirma ele.

Essa rotina de superação teve início em 2001, quando, com 17 anos, teve o diagnóstico do primeiro câncer, que atingiu as partes moles do joelho esquerdo. Carlos já treinava natação e, três meses após ser diagnosticado com o sarcoma de Ewing, ele teve a perna amputada. Esse sarcoma é um tumor maligno que ocorre predominantemente em ossos ou em partes moles. Afeta principalmente crianças, adolescentes e adultos jovens.

Carlos voltou às piscinas e em 2002 foi campeão brasileiro paralímpico nos 100 metros costas. Mas, em 2005, um exame de rotina apontou a existência de 12 nódulos no pulmão e o tratamento envolveu um autotransplante de medula. Carlos, que tem 1,80 m de altura, chegou a pesar 52 kg. "Daquela vez, o retorno foi bem mais difícil", lembra. Mas conseguiu voltar a dar braçadas na água.

https://www.terra.com.br/nos/brasileiro-supera-cancer-na-perna-e-amputacao-para-escalar-everest,ab0276a4b423a3df9732e12acc49ca2f5usdmtqq.html