quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Como um câncer aos 37 anos mudou minha vida


'Eu ainda pensava em mim como uma jovem mulher, não como uma mãe de meia-idade. Mas nessa hora cheguei a pensar que não veria mais minha filha crescer', diz Appleby (Foto: Arquivo pessoal)

Mãe de uma menina de três anos, britânica relata o impacto que o diagnóstico teve em sua vida e como encontrou forças para enfrentá-lo.

Por BBC
08/01/2018 08h37  Atualizado há menos de 1 minuto

Carly Appleby não ficou convencida quando os médicos descartaram um pequeno nódulo em seu seio, que parecia insignificante. Em fevereiro de 2017, ela foi diagnosticada com câncer de mama em estágio 3, localmente avançado. Aqui, a jovem mãe de 37 anos descreve o impacto da notícia e sua jornada desde então.
"Fazia um dia lindo e ensolarado em Costwolds (cadeia de pequenas colinas no centro da Inglaterra) quando fui diagnosticada com câncer de mama em estágio 3 - o que significa que ele já havia se espalhado para além da área do tumor inicial, que, no meu caso, foi nos linfonodos do braço.
Ainda na clínica, sentei, com meu marido do lado. Nós dois estávamos atordoados. Tenho 37 anos, sou uma mulher em forma e saudável - ou ao menos era isso que eu pensava -, sem nenhum histórico de câncer de mama na família.
A princípio, quando fui à consulta com minha ginecologista, ela descartou a possibilidade na hora. Passou menos de cinco minutos me examinando, encontrou um nódulo no meu seio - menor do que um grão de arroz, duro. 'Provavelmente é algo hormonal. Nada para se preocupar. Volte só se ele não for embora em algum tempo', disse ela tranquila.
Alguns meses se passaram e eu percebo que, sim, ele ainda está ali. Volto ao médico, desta vez para ver outro ginecologista. Ele me examina melhor, mas a conclusão é a mesma: 'Provavelmente, é um caroço gorduroso', diz. Um sinal de que estou ficando velha, eu penso.
Mas me incomoda. Aquilo não parece certo. Meu seio esquerdo doi quando minha filha de três anos brinca comigo ou me abraça.
Pedi para ir a uma clínica especializada e levei minha mãe para me dar apoio moral. Estava nervosa.
O médico me examina e diz: 'Não acho que seja nada para você se preocupar'. Infelizmente, não foi o que a ultrassonografia e a mamografia mostraram. Eu tinha uma área grande de calcificação - que costuma ser o sinal do início do câncer de mama. Eles fizeram uma biópsia dolorida e avaliaram os linfonodos embaixo do meu braço.
Todo esse processo teve um impacto enorme em mim. Eu nunca tinha pensado sobre minha própria morte. Eu ainda pensava em mim como uma jovem mulher, não como uma mãe de meia-idade. Mas nessa hora eu cheguei a pensar que não veria mais minha própria filha crescer.
Fiquei ansiosa sobre contar a outras pessoas sobre meu diagnóstico, mas eu queria conscientizar minhas amigas sobre o problema, então decidi usar as redes sociais. As respostas de apoio se multiplicaram.
O tratamento começou logo. Eu precisava de seis ciclos de quimioterapia, tinha que remover glândulas linfáticas de meu braço esquerdo, fazer uma mastectomia e, em seguida, radioterapia. Seria um longo ano, mas, ao menos, eu esperava estar livre do câncer no final dele.
O primeiro ciclo de quimioterapia não foi tão assustador quanto imaginei. Outros remédios foram aplicados em injeções lentas em uma cânula na minha mão. Todo o processo demorava três horas - e, enquanto isso, eu bebia muito chá.
Eu me sentia péssima nos dias que se sucediam ao tratamento. Era como estar de ressaca, só que sem a parte boa de uma noite toda bebendo. Não tinha energia nenhuma, não tinha apetite, me sentia doente, com muita sede e tudo doía. Ficava muito mal e desanimada. Mas depois disso, começava a me sentir mais normal.
Fiquei feliz com o início do tratamento. Eu pensava na quimioterapia varrendo o câncer para fora meio que como em um jogo de computador - como se o Pac-Man estivesse devorando todas as células ruins do câncer. Zap, zap, zap.
'Eu vou perder meu cabelo?', foi uma das primeiras perguntas que fiz ao médico que, obviamente, confirmou o que eu temia. Posso parecer vaidosa, mas acho que essa foi uma das coisas mais difíceis em todo o processo desde que soube do diagnóstico.
Comecei a procurar perucas. "Que tal uma peruca loira, mãe?", perguntou minha filha. "Aí você pode ficar mais parecida comigo!". Eu me fortaleço com o companheirismo dela. Juntas, escolhemos uma peruca de cabelo loiro e curto.
Decidimos que minha peruca precisa de um nome. Pensei em Betty ou Bertha, aí meu marido sugeriu "Chewbacca", do Star Wars, e minha filha veio com "Hairy Maclary from Donaldson's Dairy", um de seus livros favoritos. A gente riu bastante indo para casa.
Alguns dias depois, cortei o cabelo o mais curto possível. Queria diminuiu o choque que sentiria quando começasse a cair. Faz bem quando você está no controle disso.
Mandei à família e aos amigos a foto do meu cabelo curtinho. "Você parece mais jovem", disse minha irmã. Não acreditei nela.
Em todo o processo, minha filha parecia não estar entendendo muito bem o que estava acontecendo. Ela me perguntou se também iria perder cabelo e disse que não queria me ver careca. "Quem queria?", eu penso comigo mesma. Decidimos comprar uma peruca de brinquedo para ela.
Mas ela ainda ficava confusa com a quantidade de presentes que recebia. Houve uma onda enorme de cartões, flores, mensagens de esperança...e comida! Muita comida deliciosa! É engraçado como as pessoas reagem de forma diferente a essas notícias que todos temos que processar.
Meses depois, eu não me reconhecia mais no espelho. Inchada por causa dos esteroides, não tinha mais cílios, nem sobrancelhas, e estava careca.
Eu olhava invejosa para a cabeça do meu marido e dizia: "Mal posso esperar para ter a mesma quantidade de cabelo que você!" Nós dois ríamos - ele nem tem muito cabelo, mas já tinha mais do que eu.
No dia da cirurgia, eu fiquei um pouco vulnerável por ser operada sem ter nenhum cabelo. Eu estava sempre com lenços na cabeça ou então com minhas perucas - nós demos o nome de Betty para uma e Brunetti para outra. Mas eu não podia ter nenhuma delas comigo na cirurgia.
Quando voltei dela, não conseguia me mexer. Minhas pernas estavam cobertas por uma manta, que se move para cima e para baixo para evitar a coagulação do sangue. Tinha um tubo de oxigênio no meu nariz e eu estava com um catéter. No meu braço havia um dreno, e o líquido dentro dele me lembrava um milkshake de morango.
Eu podia apertar um botão para aliviar a dor, mas eu não reagia bem a morfina.
Optei pela reconstrução imediata do meu seio, o que significava um expansor de silicone temporário. Quando olhei pela primeira vez para o meu peito após a cirurgia, fiquei decepcionada em ver que estava praticamente reto. O implante iria inflar gradualmente para esticar a pele restante.
Minha cirurgiã disse que a operação havia sido bem-sucedida e que ela não detectara mais traços de tumor. Ela me visitava duas vezes durante o turno dela, parecia realmente se importar comigo - tinha mais ou menos a minha idade.
Na recuperação, eu tinha dificuldades para me mexer, para dormir e me vestir, então fiquei no hospital por cinco dias. Meu marido me visitava com minha filha, que fez quatro anos nesse meio tempo. Ela insistia em carregar meu dreno para o banheiro para mim. Ele tinha que me acompanhar em todos os lugares. Até que finalmente o removeram do meu braço - mas a dor que você sente quando isso acontece é como se alguém tivesse puxando uma corda de dentro de você.
Nas semanas seguintes, meu expansor no peito foi inflado com 50 ml de soro injetadas de cada vez . "Quantas são necessárias?", eu perguntei. "Quatrocentas", respondeu minha médica, "o peso do seu antigo seio".
"Então há uma ciência por trás disso", repliquei. Nós duas rimos na hora.
Mas eu fiquei chateada ao ver minha cicatriz. Não tinha cabelo, não tinha peitos, não tinha menstruação. O câncer de mama realmente rouba tudo o que é feminino em você. Mas eu estou viva! E o câncer já está fora de mim.
Eu também tenho o conforto das muitas mulheres jovens que também estão passando pela mesma situação. A Younger Breast Cancer Network (Rede Jovem de Câncer de Mama, em tradução livre) é um grupo online com mais de 3 mil mulheres com menos de 45 anos que compartilham suas experiências umas com as outras.
Outro dia, olhei no espelho e vi que meus cílios tinham voltado. Que momento incrível! Meu cabelo também começou a crescer de novo. Aos poucos, minha energia está voltando.
Cinco semanas depois da minha cirurgia, eu soube que havia tido uma resposta patológica completa. Era a melhor notícia possível! Significa que não há mais nenhum sinal de câncer nem no seio, nem em nenhum lugar. O tumor foi completamente erradicado pela quimio. Pac-Man realmente devorou todas aquelas células cancerosas.
Leva um tempo para você se acostumar com o fato de que não há mais evidência nenhuma da doença depois de meses de ansiedade.
Tenho uma tomografia agendada para fazer a preparação para a radioterapia e minha primeira tatuagem: três pequenos pontos verdes para que os técnicos possam saber onde alinhar a aplicação.
Também tomo injeções de quimio a cada três semanas na coxa e comecei a fazer um tratamento hormonal que fará parte da minha rotina diária pelos próximos 10 anos, uma tentativa de impedir o câncer de voltar.
Mas tudo isso combinado faz com que eu tenha sintomas de menopausa. As ondas de calor e as noites de suadeira são mais duas coisas que estou tendo que lidar aos 30 anos.
Passei por 15 sessões de radioterapia, indo todos os dias ao hospital para o tratamento. Nas redes sociais, descobri que muitos pacientes tocavam um sino no dia que terminavam a última sessão. Consegui que instalassem um na unidade oncológica do hospital onde eu estava e logo bati o sino bem alto para marcar o fim do meu tratamento - todos aplaudiram em volta. Não acredito que acabou!
Alguém me disse uma vez que ter câncer faz você perceber o quanto é amada. Agora que acho que cheguei ao fim dessa jornada, posso dizer que isso é a mais pura verdade."