Camila Neumam
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
22/10/201518h28
Histórias de pessoas que tomaram a
fosfoetanolamina sintética produzida na USP (Universidade de São Paulo) de São
Carlos para tratar o câncer não faltam na internet. A maioria diz que teve bons
efeitos, com menos sintomas e prolongamento dos dias de vida, alguns até falam
em cura, mas há também os que dizem que não notaram nenhuma melhora. Apesar de
serem tocantes, esses depoimentos não podem ser garantia de eficácia ou
não do composto sem antes da análise clínica desses pacientes, segundo Marcello
Fanelli, diretor do Departamento de Oncologia Clínica do A.C Camargo Cancer
Center.
Para o oncologista, o caso de São
Carlos mostra "uma falha no método científico" que desvalida a chance
de ela ser encarada como um remédio. Isso porque a substância foi usada
diretamente em doentes antes de serem feitos os testes clínicos para
testar sua eficácia e segurança – o que é obrigatório antes de se registrar um
medicamento.
Diante disso, qualquer relato de
melhora deve ser encarado apenas como uma percepção, não como garantia de bons
resultados, segundo o oncologista.
"Uma percepção do médico ou do
paciente não serve para embasar nenhum tipo de conduta. Tudo tem que ser
registrado, auditado e conferido com um número relevante de acontecimentos que
estatisticamente tira a situação do acaso e seja demonstrado. Se não aconteceu
dessa forma é porque infelizmente houve uma falha no método científico".
A pessoa pode melhorar por diversos
fatores, tanto pelo efeito placebo (quando um remédio sem nenhum efeito é dado
para pacientes para comparar com os reais efeitos do composto, e eles
geralmente sentem a melhora dos efeitos em cerca de 20%), quanto por outras
interações medicamentosas. Como a pessoa é acompanhada, não é possível dizer o
que a fez melhorar e se ela realmente melhorou.
Além da falha, Fanelli vê uma
"inversão de valores" entre as pessoas que querem a liberação da
fosfoetanolamina sintética. Para ele deveria haver uma pressão social para
impulsionar os testes do composto em humanos antes de ele ser oferecido a
população.
"O coro deveria ser no sentido de
cobrar a eficácia e segurança do composto no ponto de vista científico, não de
liberar; isso é uma inversão de valor", diz.