O
câncer de pâncreas tem uma das mais altas taxas de mortalidade entre todos os
tipos da doença. — Foto: Pixabay
Pesquisadores da Universidade de Utah
combinaram dois medicamentos que tiveram efeito promissor contra a doença em
testes de laboratório. O tumor no órgão é um dos mais letais: apenas 1 a cada 5
pacientes sobrevivem um ano depois do diagnóstico.
Por Lara Pinheiro,
G1
05/03/2019 11h05 Atualizado há 2
meses
Cientistas da Universidade de
Utah, nos Estados Unidos, descobriram uma nova estratégia para tratar o câncer
de pâncreas que já está sendo testada em humanos. O estudo sobre o tratamento,
que é uma combinação de duas drogas ingeridas por via oral, foi publicado nesta
segunda (4) na revista ‘Nature Medicine’.
As medicações agem de duas
formas:
·
Elas impedem a ação
anormal de um gene, o Kras, que ocorre em tumores no pâncreas. Os cientistas já
sabiam que, quando ele tem uma mutação, acaba promovendo o crescimento e a
divisão das células de forma anormal. Assim, o tumor cresce.
·
Os remédios atrapalham
o processo de autofagia das células do tumor. A autofagia é um mecanismo no
qual a célula “come” a si mesma para obter energia.
Os cientistas já sabiam que esses
fatores ajudavam o tumor a crescer. Por isso, ambos os tipos de medicamento já
haviam sido usados, individualmente, para combater o câncer de pâncreas, mas
sem resultado. A novidade é que os pesquisadores perceberam que, quando
combinados, eles têm efeito para combater o tumor.
“Nós conseguimos observar que a
combinação dessas duas drogas — que, quando usadas individualmente, não têm
muito impacto na doença — parece ter um impacto muito potente no crescimento do
tumor. Nós observamos isso em culturas de células no laboratório, em modelos
com ratos e, agora, em um paciente com câncer de pâncreas — em menos de dois
anos. É uma linha do tempo raramente vista na medicina”, afirmou o pesquisador
Martin McMahon, um dos autores do estudo.
O primeiro paciente que testou os
medicamentos acabou não resistindo à doença, mas respondeu bem ao tratamento,
segundo outro cientista que participou da pesquisa.
“O paciente tinha feito cirurgia
e várias doses de quimioterapia antes dessa combinação. Apesar de ter falecido,
respondeu de forma notável a essas drogas por vários meses”, explicou Conan
Kinsey. Ele disse, ainda, que os resultados da combinação precisam ser
avaliados em estudos clínicos (em humanos) para descobrir se é possível
conseguir bons resultados em outras pessoas.
Os testes desse tipo já estão
sendo conduzidos na Universidade do Texas e têm previsão de acontecer na
Universidade da Califórnia em San Francisco e na Universidade de Columbia, em
Nova York.
Alta mortalidade
O câncer de pâncreas é uma das
formas mais letais da doença. Apenas 20 a cada 100 (ou 1 a cada 5) pacientes
com o tumor continuam vivos um ano depois do diagnóstico. Cinco anos depois da
detecção da doença, esse número cai para 7 a cada 100, segundo a Sociedade
Americana do Câncer.
De acordo com o Instituto
Nacional do Câncer (Inca), essa alta taxa de mortalidade acontece por conta do
diagnóstico tardio.
Para Axel Behrens, que estuda a
relação entre câncer e células-tronco no Instituto Francis Crick, em Londres,
esse atraso na detecção se dá por alguns fatores, como a facilidade de
metástase da doença, a ausência de sintomas iniciais e a falta de marcadores no
sangue — como há no câncer
de próstata, por exemplo.
"O problema é que, muito frequentemente, no momento do diagnóstico
o paciente apresenta metástase. O pâncreas é um órgão muito vascularizado,
então é muito fácil para o câncer ir para o fígado, porque existem muitos dutos
que levam até lá — e aí há metástase. Além disso, o câncer é, por um longo
tempo, assintomático: a pessoa tem o tumor, mas se sente bem. Só quando ele
fica muito grande a pessoa começa a se sentir mal e sentir dor. E não existe um
marcador diagnóstico que pode ser usado para detectar uma doença
assintomática", explica Behrens, que não participou do estudo.
O Inca também não recomenda o
rastreamento rotineiro da doença, por não haver evidência de que ele traz
benefícios, mas recomenda investigar sintomas como pele amarela (icterícia),
urina escura, cansaço, perda de apetite e peso e dor em abdômen superior e
costas.
Reforço
A pesquisa na Universidade de
Utah foi reforçada por um outro estudo, separado, também publicado nesta
segunda (4) na mesma revista. Cientistas da Universidade da Carolina do Norte
chegaram a conclusões semelhantes sobre o papel do gene Kras e da autofagia no
crescimento do adenocarcinoma, tipo mais comum do câncer do pâncreas.
Primeiro, descobriram que
bloquear a ação anormal do gene aumentava a dependência da célula na autofagia
— ou seja, com o Kras bloqueado, ela passava a “comer a si mesma” mais do que o
normal. Depois, eles bloquearam a própria autofagia.
“A autofagia é um processo no
qual células do câncer reciclam materiais, em vez de se livrar deles. O que nós
descobrimos foi que, se você bloquear o caminho mais importante para a energia
— a glicólise — a célula cancerígena começa a sofrer e começa a autofagia.
Assim, o câncer se torna mais dependente da autofagia e mais sensível ao
inibidor dela”, explicou Channing Der, um dos autores do estudo.
Os testes foram realizados tanto
em células de camundongo quanto humanas, e devem começar a ser feitos em
humanos, combinando dois medicamentos, na Universidade do Texas.
Marcadores genéticos
Um terceiro estudo, não
relacionado e também publicado nesta segunda (4) em outra revista, por
cientistas da Universidade de Pittsburgh, mostrou que, em 17% dos casos da
doença, há um marcador genético que indica se o tumor pode ser tratado com
quimioterapia que já existe.
Os pesquisadores caracterizaram o
código genético de 3.594 amostras de tumor no órgão vindas de pacientes ao
redor do mundo. Eles descobriram que há genes que predispõem uma família
inteira a desenvolver a doença, como no caso do câncer
de ovário.
Determinar o perfil de cada tumor
pode ajudar a escolher a melhor forma de tratamento para cada caso. “As pessoas
têm buscado esses marcadores por um longo tempo, e o nosso estudo mostra que é
possível dividir os pacientes com câncer de pâncreas em categorias de
tratamento diferentes”, explicou um dos autores da pesquisa, Nathan Bahary.