Brasileiro de 63 anos tem remissão de
linfoma não Hodkings avançado após ser submetido a terapia inédita na América
Latina. Responsáveis pelo teste, cientistas da USP desenvolvem uma metodologia
nacional da técnica há quatro anos
PO Paloma Oliveto
postado em 12/10/2019 07:00 / atualizado em
12/10/2019 16:57
O paciente voltou a
engordar e terá alta hoje: análise do tipo de remissão, se foi completa ou
parcial, sairá em três meses(foto: Agência
Fapesp/Divulgação)
Considerada uma das mais
promissoras terapias
de combate aos tumores hematológicos
dos últimos tempos, as células CAR T foram usadas, pela primeira vez, na América Latina para tratar um paciente terminal de linfoma não Hodkings avançado, com prognóstico de
menos de um ano de vida. O procedimento experimental foi realizado por médicos
e pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FMRP/USP) em setembro e resultou na remissão da doença.
Embora não
necessariamente signifique a cura — entre 20% e 30% das pessoas com linfomas e
leucemias tratadas com esse tipo de célula, do próprio paciente, têm recidiva
em alguns anos —, o homem de 63 anos não apresenta mais os sintomas que tinha
ao dar entrada no Hospital das Clínicas da FMRP. Antes de se submeter ao
procedimento, ele sofria de perda acentuada de peso, suores noturnos e muitas
dores, o que obrigava os médicos a tratá-lo com dose máxima de morfina. Agora,
voltou a engordar, não tem mais sudorese nem precisa do forte opioide. Os
médicos responsáveis ressaltam que, apenas daqui a três meses, será possível
avaliar se a remissão foi completa ou parcial, mas estão otimistas com o
tratamento. Hoje, o paciente terá alta.
Células CAR T são retiradas
do paciente e modificadas geneticamente para que, quando reintroduzidas no
organismo, formem um exército robusto de soldados que mirem um alvo específico
do tumor, o destruam e mantenham intactas as estruturas saudáveis do organismo.
Mesmo depois de matar as células doentes, elas ficam em alerta na corrente
sanguínea para que, ao identificarem uma tentativa do câncer de reaparecer, o
ataquem novamente. No Brasil, esse tratamento não está disponível. Nos Estados
Unidos e em países que exportaram a tecnologia, o preço pode ultrapassar US$ 1
milhão.
O tratamento bem-sucedido
foi realizado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de uma
pesquisa que está sendo realizada na universidade, com financiamento da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). De acordo com os
médicos que desenvolveram a metodologia nacional, o custo foi de apenas R$ 150
mil. Essa terapia, porém, ainda é experimental e não está disponível.
O paciente, diagnosticado
em 2017 e sem sucesso nas diversas quimioterapias desde então, foi beneficiado
pelo chamado uso compassivo, quando já não há nenhuma opção e, portanto, é
possível tratá-lo com métodos experimentais. A equipe da USP, composta por 20
pesquisadores, desenvolve o método nacional de células CAR T há quatro anos.
“Trata-se de uma
tecnologia muito recente e de uma conquista que coloca o Brasil em igualdade
com países desenvolvidos. É um trabalho de grande importância social e
econômica para o país”, afirmou à Agência Fapesp Dimas Tadeu Covas, coordenador
do Centro de Terapia Celular (CTC) da USP. De acordo com Renato Cunha, médico e
pesquisador do CTC, a intenção, agora, é ampliar o protocolo do estudo e
atender mais voluntários. Ele contou ao Jornal da USP que outros dois pacientes
com linfomas graves estão perto de receber a infusão das células reprogramadas.
Entusiasmo
O hematologista Alexandre
Caio, do Instituto OncoVida/Oncoclínicas, está entusiasmado com o anúncio do
tratamento feito pelos colegas de São Paulo. Ele conta que um de seus pacientes
participou de uma pesquisa em Israel com células CAR T, e apenas a infusão saiu
por US$ 70 mil, mesmo sendo experimental. “É um procedimento inviável no
cenário brasileiro. Quando você tem um tratamento exitoso e célere como o da
USP no cenário do Sistema Único de Saúde, isso é fantástico. Dá ao paciente do
SUS a esperança de ter essa possibilidade de tratamento. É algo que poderá
beneficiar todos os brasileiros. Esse tipo de pesquisa nos dá orgulho do SUS,
orgulho da medicina pública e mostra que é preciso investimento nas
universidades, nos hospitais universitários”, defende.
Caio ressalta que, mesmo
nos Estados Unidos, onde está aprovado desde 2018, o tratamento com células CAR
T para linfomas e leucemias não é indicado como primeira linha, ou seja, a primeira
opção. Para chegar a ele, a resposta do paciente às linhas à base de
quimioterapia têm de ter falhado. O hematologista lembra que, com os
quimioterápicos, as chances de cura de tumores hematológicos chegam a 90%,
dependendo do estágio da doença. Outra possibilidade das células CAR T, diz
Alexandre Caio, é fazer a ponte entre o tratamento padrão e o transplante de
medula óssea.