Trata-se de um primeiro passo para, no futuro, transformar o
câncer em uma doença crônica, controlável com medicação, analisa médico da
Santa Casa
06/02/2020 - 15h47min
Camila Kosachenco
Anunciado como a maior análise do genoma do câncer feita até
hoje, o Pan-Cancer Analysis of Whole Genomes (PCAWG) project, ou apenas
Pan-Cancer, é visto por especialistas como um passo importante no desenvolvimento
de novas terapias para um melhor controle da doença. Hoje, o câncer mata mais
de 8 milhões de pessoa por ano em todo o mundo, conforme a Organização Mundial
de Saúde (OMS), e a tendência é de que esses números se multipliquem nos
próximos anos.
Para elucidar os segredos dessa doença, o Pan-Cancer reuniu
1,3 mil pesquisadores e analisou 2,6 mil tumores, totalizando 38 tipos de
câncer ao longo de uma década. Com isso, conseguiu mapear o genoma dos tumores
e apontar como falhas no DNA podem levar ao desenvolvimento da doença.
Maior estudo genético sobre câncer revela como os tumores se
formam
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Como uma doença genética, o câncer cria uma espécie de
"competição" no organismo, fazendo com que as células com algumas
mutações se tornem mais aptas à sobrevivência do que as células normais. Assim,
se proliferam mais e acabam crescendo.
— Essa foi a primeira vez que conseguiram mapear esses genes
de maneira sistemática, usando a mesma metodologia. Mais: eles tentaram
identificar as chamadas "driver mutations", que são mutações do DNA
de genes específicos que levam o tumor a ter "vantagens" em relação
às células normais do organismo. Simplificando: se o desenvolvimento do câncer
estivesse ligado a várias chaves, essa estaria ligada e seria a alteração
celular que daria vantagem de crescimento, por exemplo, para a evolução do
câncer — explica o oncologista Rafael José Vargas Alves, do Grupo Oncoclínicas
e do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Mesmo que não tenha aplicação terapêutica concreta no curto
prazo, as lições teóricas do artigo são numerosas: melhor conhecimento das
mutações genéticas que provocam a multiplicação das células cancerígenas,
similaridades às vezes surpreendentes entre diferentes tipos de câncer, ou
variedade extrema de tumores de um indivíduo para outro.
— O conhecimento
acumulado sobre a origem e evolução dos tumores pode permitir o desenvolvimento
de novas ferramentas para detectar cânceres mais cedo, bem como terapias mais
direcionadas, a fim de tratar os pacientes com mais eficácia — espera Lincoln
Stein, um dos cientistas que lideraram o projeto, em uma declaração do
Instituto de Ontário para Pesquisa do Câncer (Canadá).
Outro destaque do estudo é a grande variedade de genomas
para tumores cancerígenos, explica à AFP outro cientista envolvido no projeto,
Peter Campbell, do Instituto Wellcome Sanger.
— A descoberta mais impressionante é a diferença que pode
haver entre o câncer de um paciente e o de outro — afirmou.
Isso se deve ao grande número de possíveis mutações
genéticas para cada tumor, que às vezes podem depender de fatores ligados ao
estilo de vida do paciente, como o tabagismo.
— Uma só mutação, às vezes, não é suficiente para
desencadear o câncer, pois ela se inter-relaciona com diferentes genes, e o
estudo mostrou melhor essa relação. Esses genes se manifestam de acordo com o
comportamento: quem tem mutação em determinado gene tem maior probabilidade de
ter a doença, porém há fatores conhecidos e desconhecidos que fazem o gatilho
ser acionado — justifica Vargas.
Diagnóstico precoce
Outro ponto em destaque do artigo é o fato de que o processo
de desenvolvimento de certos tipos de câncer pode começar anos antes do
diagnóstico, às vezes até na infância.
— Isso mostra que a janela para intervenção precoce é muito
maior do que pensávamos — disse
Campbell.
De acordo com Vargas, até o momento, se tinha apenas uma
compreensão empírica desse processo.
— Hoje, por exemplo, para que uma pessoa fumante seja
considerada livre do risco de câncer de pulmão ela precisa ficar abstinente por
15 anos. Isso porque algumas mutações induzidas pelo tabaco podem vir a se
manifestar muito tempo depois, como um câncer — acrescenta o médico, que também
é professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
(UFCSPA).
Cronificação
Ao conhecer com mais profundidade os tumores e seu processo
de desenvolvimento, abrem-se portas para a criação de tratamentos mais precisos
e assertivos. É o que os especialistas chamam de medicina personalizada. Carlos
Eugênio Escovar, chefe do serviço de Oncologia e diretor médico do Hospital
Santa Rita, unidade de câncer da Santa Casa, lembra que, atualmente, um
paciente com diagnóstico da doença passa, geralmente, pela quimioterapia. A
grande questão é que o tratamento atua sobre diversas células, as boas e as
ruins.