Fernanda Aranda, iG São Paulo
Enfeitadas por lenços, batom, sombra e muita coragem, elas são a imagem real da doença que faz 50 mil vítimas por ano no Brasil. E todo dia travam uma luta diária para não serem resumidas ao tumor que já carregaram – algumas ainda carregam – no corpo. Caso se rendessem aos estereótipos, contam todas, seriam enxergadas só como pacientes carecas, sem peito, inchadas e tristes. “Sou muito mais que o meu problema de saúde”, ensina com propriedade seu segredo Aparecida de Fátima Teixeira, 51 anos.
Além de Cida, Helena, Elen, Aída, Aparecida, Tatiane, Rosimeire, Cristina, Daniele esbanjam um reflexo muito mais belo do que o imaginado para o câncer de mama. Por isso, o Delas convidou estas mulheres a contarem como encararam o espelho depois da doença.
Das mais variadas maneiras, elas disseram que, sim, encontraram beleza no câncer de mama. O bate-papo com as pacientes – de 25 a 74 anos- foi na última sexta-feira, no Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp), onde elas foram convidadas para participar de oficinas de autoestima e acabaram as próprias dando “aula” sobre o amor próprio.
Tudo sempre foi muito precoce na vida de Elen Renildes da Silva. Aos 15 anos de idade, ela engravidou do primeiro filho. Seis anos depois, veio o segundo. A operadora de caixa ainda estava se acostumando com a ideia da dupla maternidade, quando descobriu a gravidez de sua primeira menina.
Aos 30 anos, Elen cruzou com mais um desafio precoce e, com um esforço sobrenatural, acreditou imediatamente que não seria o câncer de mama que faria com que ela não tivesse “mais toda a vida pela frente”. “Receber o diagnóstico foi mais fácil do que enfrentar o tratamento. A cada sessão de quimioterapia, meu cabelo ia embora junto. Os fios caíam levando pedaços de mim.”
O ponto de virada foi encarar o tratamento por um outro ângulo. Um dia olhou no espelho e disse a si própria que a quimio é o que a salvaria, uma aliada. "Assumi isso, chamei uma vizinha para ajudar e decidi raspar a cabeça inteira.”
Se os filhos já estavam cheios de dúvidas sobre o que estava acontecendo ficaram ainda mais instigados com o novo visual da mãe, sempre composto por lenços coloridos, batom vermelho e lápis nos olhos para deixar ainda mais marcante o rosto, agora nu. Apesar da vaidade mais aguçada pós doença, Elen conta que nada foi tão responsável por sua autoestima alcançar níveis máximos como uma conversa da filha caçula com uma amiguinha da escola. A pequena estava explicando a colega tudo sobre a doença e finalizou: “Se a sua mãe tiver câncer de mama, não se preocupe. A minha ficou ainda mais bonita careca.”
O vento batia nos novos cabelos de Cristina Profetti, 42 anos. Todos que a encontram dizem que a cabeleira ficou ainda mais bonita depois de ter nascido após as incontáveis sessões de quimioterapia. Ela, de fato, se sente mais bonita e completa e talvez o segredo esteja na forma como sempre encarou a doença.
“Eu sempre olhei para frente. Há cinco anos quando o médico disse que era 99% de risco de eu ter câncer de mama, a minha primeira pergunta foi: “ok, qual é o próximo passo”. Um passo a frente tronou-se a filosofia de Cristina. Percebeu que a quimioterapia iria fazer com que os cabelos caíssem e antes mesmo disso acontecer já saiu por São Paulo atrás de perucas. “Fazia quimio na quinta-feira e no sábado estava dançando, em festas e planejando o próximo passeio.”
A única preocupação era com os filhos, adolescentes. “Se eles sofressem, daí sim a culpa poderia me derrubar.” Não foi o caso. Danilo, hoje 20 anos, assumiu o posto de cuidador da mãe. Camila, agora com 17, virou parceira inseparável - vai às consultas, baladas e está nas sessões de fotografia. “Minha mãe nunca deixou espaço para o desânimo. Os médicos diziam que o fôlego estava comprometido e logo depois lá estava ela arrasando no videoquê. Nunca deixou ninguém vê-la sem peruca, mas em casa, à noite, adorava meu cafuné na sua careca.”
De Angola para o Brasil em busca da cura
Helena Fernandes Trindade dos Santos, 29 anos, estava em Angola, país natal, quando recebeu a notícia de que o câncer de mama era sim uma doença que fazia parte do universo das mulheres jovens. E diante daquele quadro raro, foi mais dolorido saber que era preciso viajar, deixar a família e o namorado de 10 anos, para encontrar tratamento não disponível em sua cidade.
“Cogitei Ásia e Estados Unidos. Mas me disseram que São Paulo, no Brasil, seria o melhor local para achar a cura.” Malas prontas carregadas de esperança, quase perdidas quando descobriu os valores cobrados nos hospiatais. “Liguei para a minha família e me despedi. Pensei que fosse morrer já que não podia pagar para me tratar.”
Foi então que ela descobriu o Hospital das Clínicas e há três meses começou a rotina médica gratuita. Já perdeu os cabelos, mas os cinco lenços comprados nas ruas paulistanas fazem com que ela fique mais estilosa. “Meus familiares falam comigo pela webcan e nem acreditam o quanto estou bonita. Eu também me sinto assim.” A confiança só balança quando ela pensa na possibilidade de ter filhos. “Sempre quis ser mãe e agora posso não experimentar a maternidade”.
Os amigos duvidam. Quem conhece Helena sabe que ela viajou o mundo, com a “experiência de quem nunca havia viajado” para encontrar tratamento. “Imagina do que ela não é capaz por um filho”, dizem. Por isso, não é de se espantar que o segredo de sua autoestima seja uma palavra: “Autoconfiança”.
O reencontro com os filhos
“Eu agradeço ao câncer de mama”, diz Rosimeire de Souza Ribeiro, 46 anos, causando espanto em quem escuta a frase no início da conversa e não depois da explicação sobre como a doença mudou a sua vida. Rosimeire ainda não venceu a doença. Desde novembro do ano passado luta contra o tumor. Perdeu os cabelos e a cirurgia de reconstrução da mama, peça chave para melhorar a autoestima segundo diversas pesquisas, não pode ser feita por causa de uma rejeição ao material usado na prótese. Mas ela, otimista recém descoberta, resolveu enxergar a doença por outro prisma. “E encontrei muitas vantagens”.
A workholic inveterada, que ficava de segunda a sexta-feira no trabalho, longe dos filhos, dos amigos e da família, agora deu lugar a uma mãe dedicada, que faz almoços aos sábados para “um batalhão” e não deixa nenhuma lição de casa passar sem ser corrigida. “O câncer me fez pensar que eu não podia continuar sendo apenas uma técnica de informática dedicada. Sou mulher, mãe e amiga e agora eu estou reencontrando com todas essas Rosimeires.”
Os filhos, de 11 e 13 anos, foram os que mais colaboraram com essa mudança de postura. E no início não expressaram isso de maneira tão cordial. “Mãe porque você resolveu me cobrar estudo se nunca antes ligou para isso”, dizia o mais velho. Bater de frente com os novos desafios do reencontro com a maternidade fizeram o medo do câncer ficar em segundo plano. “E aos poucos eles foram descobrindo como é bom ser filho e eu como é bom ser mãe.”
Aparecida Teixeira, 52 anos, desde 2006 luta contra o câncer de mama. Mas o segredo para não se intimidar com a resistência do tumor, que primeiro apareceu na mama esquerda, depois na direita e agora já foi diagnosticado na cabeça, é a conjugação do verbo ao falar da doença. “Só falo dela no passado. Desde o primeiro dia, sempre falei do problema como se ele tivesse acontecido a muitos anos atrás.”
No passado, presente ou futuro , Aparecida nunca fez drama com o diagnóstico. “Eu perdi o chão, fiquei desesperada e com um pavor que só me fazia chorar. Enquanto isso, a minha mãe estava uma serenidade que só”, conta a filha Tatiane de 32 anos. “Ela nem bem tinha aberto os olhos após a primeira cirurgia, a anestesia ainda estava fazendo efeito e ela me pediu batom e blush”, conta a filha. “A minha estratégia era ficar sempre bonita, assim os médicos achariam que eu estava saudável e me dariam alta”, conta Aparecida.
A maquiagem não é seu único segredo de beleza. “Tenho outras táticas também. Quando começo a pensar no câncer, desvio o pensamento para outras coisas, tipo a novela ou música. A vida é muito bela para a gente só ficar martelando na doença”, diz.
“Eu queria trocar de lugar com ela. Pedi a Deus para passar a dor, o medo e o sofrimento da minha filha para mim”, repete Neusa Santos, 52 anos, mãe de Daniele, que descobriu o câncer de mama aos 24. “Nunca poderia imaginar que aquela dor que eu sentia era um tumor. Pensei que fosse uma inflamação . Os médicos também acharam isso e só se convenceram com a biópsia”, conta a jovem.
Perder os cabelos com tão pouca idade não foi fácil e Daniela, já apaixonada pelas maquiagens, descobriu que os acessórios, brincos, lenços e boinas podem ser aliados. Mas se puder definir o que de fato a ajuda encarar as muitas sessões de quimioterapia é ter percebido o quanto pode contar com Dona Neusa. “Eu tenho muitos amigos, mas o câncer mostrou o quanto a minha mãe é meu porto seguro. Eu sei que ela sofre junto comigo e eu, que sempre fui tão reservada, agora ganhei a chance de me abrir mais com ela.”
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