George Johnson
The New York Times 29/04/201419h07 > Atualizada 30/04/201409h21
The New York Times 29/04/201419h07 > Atualizada 30/04/201409h21
Dar uma passada numa livraria ou navegar pela internet pode deixar a impressão que evitar o câncer é praticamente uma questão de observar o que se come. Várias fontes promovem os poderes protetores das "supercomidas", ricas em antioxidantes e outros fitoquímicos ou aconselham os leitores a copiar as dietas de camponeses chineses ou dos moradores das cavernas do Paleolítico.
Porém, existe uma divisão gritante entre o folclore nutricional e a ciência. Durante as últimas duas décadas a ligação entre os alimentos que ingerimos e a anarquia celular chamada câncer tem sido desemaranhada fio a fio.
Esse mês, no encontro anual da Associação Americana para a Pesquisa do Câncer, evento enorme que atraiu mais de 18.500 pesquisadores e outros profissionais, os resultados mais recentes sobre dieta e câncer ficaram relegados a uma só sessão de pôsteres e algumas apresentações isoladas. Havia indícios de que o café pode reduzir o risco de alguns tipos de câncer e mais estudos sobre os possíveis efeitos da vitamina D. Tirando isso, não havia muito a ser dito.
Na sessão plenária de abertura, Walter C. Willett, epidemiologista de Harvard que passou muitos anos estudando o câncer e a nutrição, soou quase pesaroso ao informar o status da situação. Embora seja verdade para outras doenças, quando se trata do câncer existem poucas provas de que frutas e verduras protejam ou que alimentos gordurosos sejam ruins.
Tudo que pode ser dito com alguma certeza é que controlar a obesidade é importante, da mesma forma que para doença cardíaca, diabetes do tipo dois, hipertensão, derrame e outras ameaças à vida. Evitar o excesso de álcool tem benefícios claros. Porém, a menos que a pessoa esteja extremamente desnutrida, a influência de alimentos específicos é tão pequena que o sinal facilmente se perde em meio ao ruído.
A situação parecia muito diferente de 1997, quando o Fundo Mundial de Pesquisa Contra o Câncer e a Associação Americana para a Pesquisa do Câncer publicaram um relatório, grosso como uma lista telefônica, concluindo que dietas ricas em frutas e hortaliças podem reduzir o risco total da incidência de câncer em mais de 20%.
Após analisar mais de 4.000 estudos, os autores estavam convencidos de que os vegetais verdes evitavam câncer de pulmão e de estômago. O câncer de intestino e de tireoide pode ser evitado por brócolis, repolho e couve-de-bruxelas. Cebola, tomate, alho, cenoura e frutas cítricas pareciam desempenhar papéis importantes.
Em 2007, um grande acompanhamento reverteu todas as descobertas. Embora alguns tipos de hortifrútis possam ter benefícios sutis, os autores concluíram que "em nenhum caso existe prova de uma proteção eficaz".
O motivo para essa mudança se deu mais por meio da epidemiologia. Os primeiros estudos tendiam a ser "retrospectivos", valendo-se da memória das pessoas sobre sua dieta alimentar de um passado distante. Esses resultados foram derrubados por protocolos "prospectivos" nos quais a saúde de grandes fatias da população foi acompanhada em tempo real.
Carne vermelha
A hipótese de que comidas gordurosas sejam uma causa direta de câncer também foi esmagada, em conjunto com a defesa de se comer mais fibra. A ideia de que a carne vermelha cause câncer do intestino está envolta em ambiguidade. Duas metanálises publicadas em 2011 chegaram a conclusões contraditórias: uma encontrando um pequeno efeito e a outra, nenhum tipo de vínculo.
Se hambúrgueres são carcinogênicos, o efeito parece ser brando. Um estudo sugere que um homem de 50 anos comendo uma quantidade grande de carne vermelha – cerca de 150 gramas diárias – aumenta as chances de ter câncer colorretal de 1,28% para 1,71% durante a década seguinte. Considerando-se uma população de milhões, isso teria um efeito. Do ponto de vista individual, nem parece preocupar.
Tentar arrancar efeitos fracos de um emaranhado de variáveis, muitas das quais desconhecidas, conduz inevitavelmente a um cabo de guerra de estudos contraditórios. Enquanto a reunião de San Diego chegava ao fim, um novo relatório sobre dietas com alta gordura e câncer de mama sugeria haver afinal uma conexão.
Até mesmo com os estudos mais rigorosos, é difícil ajustar o que os epidemiologistas chamam de fatores que causam confusão: quem costuma comer frutas e hortaliças com frequência, provavelmente pesa menos, se exercita mais e cuida da saúde de outras formas.
Estudos
Parte disso pode ser resolvido com estudos clínicos controlados aleatórios, com dois grandes grupos de pessoas aos quais se atribui arbitrariamente dietas diferentes. Entretanto, tais estudos são caros e as regras são difíceis de serem aplicadas a curto prazo – e provavelmente impossíveis ao longo dos muitos anos que leva para o câncer se desenvolver.
A ênfase do encontro estava em outras coisas: novas imunoterapias, o papel da inflamação crônica e os subterfúgios infinitamente intricados das células cancerosas. Com o foco na nutrição, Willett parecia a pessoa excêntrica do grupo.
"Dieta e câncer se revelaram muito mais complexos e desafiadores do que qualquer um de nós esperava", disse, magro como uma vara.
Havia alguns motivos para otimismo. Um estudo do ano passado sugeria que embora comer muita fruta e verdura não tivesse efeito sobre o câncer de mama, as hortaliças poderiam reduzir a ocorrência de um tipo chamado estrógeno negativo. Reduzir leite e derivados pode possivelmente diminuir o risco de câncer de próstata.
Enquanto os epidemiologistas começam a acompanhar a saúde de populações mais jovens, Willett esperava que mais influências da dieta pudessem surgir.
Naquela noite na recepção organizada pelo Centro de Câncer Dr. Anderson, os convidados atacaram um bufê suntuoso que incluía entre outras coisas grossas fatias de rosbife, diversos tipos de queijos suculentos e várias opções de vinho. No dia seguinte, os cientistas estavam de volta ao encontro, café na mão e correndo de uma sessão para a outra.
Alguém deve ter parado para estudar uma exposição no restaurante do centro de convenção em homenagem aos 50 anos do alerta do Ministério da Saúde ligando tabaco ao câncer.
Ao conter essa doença, a campanha contra o tabaco foi a coisa mais perto de um triunfo. Contudo, agora que o cigarro está desaparecendo nesse país, a obesidade cresce. Para Willett, ser gordo (e não comer gordura) pode causar mais tipos de câncer fatais do que os cigarros.
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