Camila Neumam
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
08/04/201506h00
- Júnior Lago/UOL
O pedreiro azulejista Caetano Donizete da Silva, 57, internado no Icesp
para tratar um câncer no estômago, faz a barba e limpeza de pele no hospital
Cabelo cortado, barba feita, pele
hidratada e unhas em dia. É com tratamentos de beleza que homens internados no
Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) mantêm a autoestima durante
o difícil tratamento contra o câncer.
O serviço também é oferecido às
mulheres que se tratam no hospital público da capital paulista. Mas o Icesp
observou um aumento da adesão dos homens neste ano, que ocupam 35% dos
atendimentos. Um a cada três pacientes que procura pelas esteticistas é do sexo
masculino, segundo uma pesquisa feita com 2.500 pacientes atendidos pelo
projeto "Cantinho da Beleza".
Os tratamentos de beleza são
oferecidos três vezes por semana no próprio leito hospitalar, mas devem ser
agendados com antecedência. Esteticistas cortam os cabelos, aparam as
sobrancelhas, fazem limpeza de pele e as unhas (sem tirar cutículas) tanto de
homens quanto das mulheres. Os pacientes também podem pedir para fazer a barba
e as pacientes mulheres podem aprender truques de maquiagem e como usar lenços.
Além de influenciar diretamente na
autoestima dos pacientes, os encontros semanais quebram a rotina de exames e
remédios. Essa mudança é vista com bons olhos pelos psicólogos que acompanham
os pacientes para evitar que se deprimam. Muitos pacientes ficam abalados com
as transformações físicas consequentes da quimioterapia.
Fim do baixo-astral
O pedreiro azulejista Caetano
Donizete da Silva, 57, que está internado no Icesp para tratar um câncer no
estômago, aderiu ao 'Cantinho' e aprovou a experiência. O morador do bairro do
Jaraguá, na zona norte de São Paulo, diz ter ficado satisfeito com a primeira
sessão na qual fez a barba, hidratou o rosto e aparou as unhas.
"Eu estava barbudo pra caramba e
a pele dá uma ressecada com a quimioterapia. Achei o serviço ótimo porque eles
chegam aqui e acaba com aquele baixo-astral", diz.
Silva descobriu o câncer em janeiro
deste ano, mas o tumor, que tem o tamanho de uma laranja, não pode ser retirado
porque está colado ao estômago.
Atualmente ele passa por sessões de
quimioterapia na tentativa de diminuir o tumor e facilitar a remoção. O câncer
lhe causa dificuldades para comer, o que o fez perder muito peso. Ele pesava 93
kg na época do diagnóstico e hoje está com 60 kg espalhados pelo seu 1,70 m. "Quando
eu me curar, a primeira coisa que quero fazer é comer uma feijoada e tomar uma
cervejinha", diz.
Pronto para as
visitas
Já o dentista Ricardo Freitas, 55, que combate um
câncer no intestino e no pulmão, passa por sessões de
quimioterapia de até 24 horas, que lhe causam dificuldades de locomoção. Por
isso, ele gosta de renovar o visual para receber bem os parentes. Entre eles
está o filho Fernando Freitas, 8, que o visita toda semana. O pequeno vem de
São Vicente, no litoral paulista, e costuma ser acompanhado por um psicólogo do
hospital.
"Faço o tratamento para fazer a
barba, massagem e para tirar as olheiras. Como fico com um braço plugado na
máquina para a quimioterapia e o outro com o soro, fica complicado me arrumar.
Para mim essa equipe faz parte do tratamento do câncer", diz.
Para Freitas, ver o filho crescer é o
maior estímulo para aguentar os efeitos colaterais do tratamento, que causa
vômitos, diarreia, sérias queimaduras na pele e queda de cabelo.
"Tive um câncer de pele há três
anos e eu não imaginava que iria para o intestino e para o pulmão. Meu pai
morreu de câncer no pulmão. Por isso eu luto pelo meu filho, que é a razão da
minha vida. Eu não desisti da luta por causa dele", diz emocionado.
Mais do que beleza
Para o psicólogo Lórgio Henrique Diaz
Rodriguez, coordenador do serviço de psicologia hospitalar do Icesp, o trabalho
ajuda os pacientes a lidarem melhor com o tratamento e com a própria doença.
Segundo ele, a procura em melhorar a aparência já é um indicador de que o
paciente luta para sobreviver. O Icesp tem uma equipe com cerca de 30
psicólogos que auxilia pacientes, acompanhantes e a própria equipe médica.
"Quando o paciente procura
melhorar a aparência, ele demonstra que busca recursos de enfrentamento para
lidar com a situação atual, o que pode repercutir na autoestima e favorecer uma
melhor adesão ao tratamento. É diferente do paciente que se deprime, porque o
primeiro impacto depois do diagnóstico é a negação da situação", diz.
Para Vânia Pereira, coordenadora do
serviço de hotelaria do Icesp, o projeto 'Cantinho da Beleza' criado em 2009
tem o intuito de humanizar o tratamento. "Mais do que a beleza, queremos
que o paciente resgate a autoestima, que volte a olhar para ele mesmo e não
somente para a doença. Todos nós precisamos de afeto, de uma palavra amiga, de
alguém que cuide da gente. A equipe entra no quarto para falar do tratamento de
beleza, conversar, não falar da doença. É um momento de alegria, um
chamego", diz Vânia.
Segundo a coordenadora, muitas vezes
o foco na beleza fica mais voltado às mulheres, mas, embora mais tímidos, os
homens costumam elogiar o serviço e repetem a dose. "Muitas vezes eles
ficam sem ação quando oferecemos, talvez por não se preocuparem tanto quanto as
mulheres e por poderem esperar um pouco mais para fazer a unha e cortar os
cabelos. Mas quando eles fazem, querem imediatamente repetir toda semana",
conta.
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