sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

A verdade sobre recusar tratamentos fúteis de doenças incuráveis


O jornalista Marcelo Rezende faz retiro espiritual (Reprodução/Instagram)
Recusar tratamentos fúteis e degradantes em casos de doenças graves e terminais é um direito, pouco conhecido e aceito, do paciente
Por Ana Claudia Arantes
access_time27 out 2017, 18h38 - Publicado em 27 out 2017, 12h00
http://veja.abril.com.br/blog/letra-de-medico/a-verdade-sobre-recusar-tratamentos-futeis-de-doencas-incuraveis/

Você tem câncer, daqueles considerados os mais graves e agressivos. Não há a menor possibilidade de cura. Nem rezando. Você diz que não quer continuar mais a ser torturado com remédios que te deixam com uma fadiga mortal, te fazem vomitar mais de dez vezes no dia, deixam suas mãos e pés queimando como em brasa e ao mesmo tempo formigando.

Você não tem mais forças para trabalhar e está começando a ficar difícil tomar banho sozinho. Não dorme por causa da dor que não passa com os remédios que te deram para tomar. Não sabe mais qual o sabor da comida, aliás, você talvez nem tenha fome e emagrece todo dia um pouco mais. Não há mais como encontrar dinheiro para pagar as consultas, os exames, as despesas com transporte e sua família já está indo a falência sem ter a sua ajuda financeira, já que você não consegue mais trabalhar. Seu cabelo ralo, sua pele cor de cinzas, sua barriga que cresce, seu cansaço que aumenta.
Tudo te leva a refletir que não existe sentido em continuar com um tratamento que só está te oferecendo muito, mas muito sofrimento. Mas você pode dizer ao seu oncologista que não quer mais? Sim.

A importância dos cuidados paliativos
Você é a pessoa que mais tem capacidade de decisão sobre o que considera digno e pertinente ao seu tratamento. Mas talvez você precise ter paciência com a medicina brasileira de modo geral, pois ainda não chegou ao conhecimento de todos os profissionais da saúde que tratam de pessoas com câncer o que há de mais moderno no tratamento desta doença tão devastadora: cuidados paliativos.

Nos nossos dias, em pleno curso de 2017, tivemos a noticia: TODOS OS PACIENTES COM CÂNCER – INOPERÁVEL OU COM METÁSTASES DEVEM RECEBER CUIDADOS PALIATIVOS JÁ AO DIAGNÓSTICO. A medicina descobriu, através de estudos totalmente baseados em evidências indiscutíveis: quem recebe cuidados paliativos chega a viver CINCO MESES a mais do que os pacientes que apenas recebem tratamentos contra o câncer que não controlam seus sintomas de sofrimento – (Estudo ENABLE III – Educate, Nurture, Advise, Before Life Ends – 2015).


E mais: se os cuidados paliativos forem oferecidos precocemente, a chance de resposta do tratamento do câncer aumenta em 15%. Além de tudo isso, a qualidade de vida é maior, o índice de depressão é menor, o respeito aos seus valores, o apoio incondicional aos seus familiares, a menor incidência de intervenções agressivas e torturadoras nos seus últimos tempos de vida levou os pesquisadores a recomendarem este cuidado a todos os pacientes com câncer.

Conceito pouco conhecido na medicina brasileira
Mas temos um problema extremamente grave no nosso país: muitos profissionais de saúde, desde os que trabalham em pronto socorro de hospital publico até aqueles que são reconhecidos como referências nacionais pensam que cuidados paliativos é não fazer nada e que recomendar esta assistência acelera a morte do paciente, mas isso é uma absoluta mentira.

Profissionais de saúde que jamais se debruçaram sobre qualquer informação de qualidade a respeito do tema, nunca fizeram nenhuma formação, nenhum tipo de estudo, nenhuma especialização reconhecida. Mal sabem como tratar a dor corretamente. Há quem se intitule geriatra por ter uma agenda cheia de pessoas idosas para atender. Mas nunca fizeram nenhuma especialização técnica na área. Eu costumo fazê-los refletir dizendo a caixa preferencial do banco só atende idosos, mas não se tornou geriatra por isso.
Tratamentos fúteis e degradantes
Assim é com cuidados paliativos: atender pessoas que morrem não transforma o profissional de saúde em alguém habilitado e capaz de lidar com o sofrimento humano que o fim da vida produz. Por isso, no caso que descrevo acima o mais comum é levar o paciente a fazer inumeráveis linhas de tratamento até seu último suspiro justificando que se está “lutando” pela vida dele.
Já ouvi histórias macabras de pessoas que morreram DURANTE a infusão de quimioterapia ou foram obrigadas a serem transportadas até a radioterapia agônicas e morreram na maca recebendo a radiação. Alguns me dizem que assim é lutar pela vida até o último minuto. Mas eu digo que assim é morrer errado.

Está errado tecnicamente obrigar um paciente e sua família a serem submetidos a qualquer tratamento degradante e fútil, que não muda em praticamente nada a chance de morte. Utilizar recursos de coação do tipo: mas você quer desistir de viver ou acusar os familiares de tentarem acelerar a morte de seu ente querido deveria ser crime hediondo, mas não é. Pacientes e seus familiares que recusam estes tratamentos são julgados e condenados como pessoas incapazes de decidir sobre o que é melhor para sua vida.

Marcelo Rezende e Steve Jobs
O maior exemplo disso atualmente foi o caso de Marcelo Rezende. Por ter recusado um tratamento dito convencional que não traria a ele nenhuma chance de cura foi duramente criticado, citado como exemplo do erro, da falta de coragem de tratar um câncer que todos sabiam ser incurável e extremamente agressivo, inclusive o próprio paciente. Foi criticado publicamente inclusive por médicos que talvez sofram muito por ter tanta dificuldade de saber o que fazer diante de um paciente que os questiona sobre as intenções de um tratamento sem resultado satisfatório para eles.

Quando o paciente diz que valoriza suas crenças religiosas ele está representando 80% da população brasileira (Kaiser/Economist Survey Highlights Americans’ Views and Experiences with End-of-Life Care, With Comparisons to Residents of Italy, Japan and Brazil, 2017) – que assume sem nenhum pudor que sua fé tem grande influência sobre suas decisões de saúde.
E os médicos e outros profissionais de saúde que tratam de pessoas com doenças graves e que se furtam a aprender e valorizar a espiritualidade e conhecer todos os aspectos relevantes da religião de seus pacientes em geral chegam a cometer graves erros com sua palavra mal utilizada. Desvalorizar a espiritualidade na população brasileira é o mesmo que abrir mão do recurso mais poderoso a favor da saúde de seu paciente e de sua adesão ao tratamento.
Os dilemas discutidos no caso do Marcelo Rezende dizem respeito principalmente à urgência que temos na formação técnica consolidada em cuidados paliativos no nosso país. Não tenho dúvida alguma que se este paciente tivesse tido alguma chance de escolha pela sua dignidade seguindo a medicina de mais alta qualidade dentro da prática de cuidados paliativos, evitando os tais tratamentos não convencionais que oneram tanto quanto o uso de quimioterápicos e outras drogas novas com baixíssima chance de resposta, ele teria seguido sua biografia em direção ao dia de sua morte com mais valor e significado de vida e de sua família.
Para quem ainda não sabe, Marcelo Rezende, Steve Jobs e milhares de pessoas que escolhem não tratar uma doença incurável escolhendo a qualidade de vida que os cuidados de conforto permitem não morreram por não aceitarem receber tratamentos fúteis apesar de convencionais. Eles morreram de câncer.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Virei a página em 2017: jovem vence câncer de mama e escreve 'manual de sobrevivência' bem-humorado


Beatriz Falcão mostra exemplar do seu livro em estante de livraria em Brasília (Foto: Raquel Morais/G1)

Escrita ajudou Beatriz Falcão a superar a doença. Série do G1 mostra pessoas que alcançaram um sonho, superaram uma dificuldade ou mudaram de vida em 2017.


Por Raquel Morais, G1 DF
21/12/2017 06h00  Atualizado há 3 horas

Diagnosticada com um câncer de mama em 2015, a brasiliense Beatriz Falcão, de 30 anos, teve que aprender a viver sem o cabelo e o seio esquerdo, ao mesmo tempo em que tentava lidar com os olhares de pena.

Essa experiência, que ela um dia quis esquecer, foi eternizada no livro "Somos Blindadas – câncer de mama sem tabu", um bem-humorado "manual de sobrevivência" à doença, lançado neste ano.
"[O dia do diagnóstico] foi o pior dia da minha vida, sendo bem honesta. Mas eu decidi, no dia 21 de maio de 2015, que eu não deixaria o câncer me abalar. Eu iria usar esse momento como algo positivo, de autoconhecimento mesmo."

Virei a página em 2017 é uma série de reportagens do G1 que vai contar histórias de pessoas que, como Beatriz, superaram uma dificuldade, realizaram um sonho ou mudaram de vida neste ano que termina.

A suspeita da doença partiu da mãe dela, que é neuropediatra e notou, por causa de um decote, que a filha tinha um nódulo na mama esquerda. Formada em letras, Beatriz dava aulas de francês e fazia revisão de textos, em um ritmo de trabalho sempre acelerado.

"Imaginei, de imediato, a careca. Eu tinha um cabelo na cintura. Foi a primeira imagem que veio [à cabeça]", conta Beatriz.

"Eu não conseguia ouvir mais nada que a médica falava. Só ouvia a palavra câncer, câncer, câncer. Saí um pouco do ar naquele momento."


Beatriz antes do diagnóstico, com cabelo comprido (Foto: Arquivo pessoal)

A confirmação de um "carcinoma ductal invasivo de alto grau" a obrigou a fazer uma pausa. Por uma semana, até que conseguisse ter certeza de que o câncer estava restrito à mama esquerda, a jovem, então com 28 anos, ficou "aérea".

"Eu me obriguei a mudar de postura. Falei 'vamos enfrentar isso, Beatriz, você tem muita vida pela frente, mil sonhos, muita coisa para conquistar, isso vai ser só um capitulozinho da sua vida'."
A escrita surgiu, então, como terapia. Os rascunhos ganharam espaço durante a quimioterapia, no período pós-cirúrgico e também na fase de radioterapia.

Em "Somos Blindadas", Beatriz lança mão dos próprios medos e memórias para dizer a outras mulheres que manter a cabeça "boa" e adotar uma postura positiva ajudam no tratamento. No livro, ela se expõe sem restrições.

"Eu não conseguia parar de escrever. A moça do xerox não aguentava mais me ver, porque toda semana eu tirava uma cópia do livro", conta, entre risos.

"A minha história está aqui", emenda, apontando para um exemplar. "Quando eu estava escrevendo, eu pensava no que a Beatriz poderia enxergar de positivo nisso tudo. A escrita foi a minha forma de enxergar uma maneira positiva de passar por aquilo."

Como sobreviver ao câncer?
O livro de Beatriz é dividido em três partes, todas ilustradas com fotos da jovem.
No primeiro momento, ela fala sobre a importância da "blindagem" e de como uma mulher com câncer de mama pode se fortalecer para o tratamento.

A ajuda dos amigos, a busca pela espiritualidade, a boa alimentação e a prática de exercícios físicos, diz ela, são essenciais durante o processo.

Na segunda parte da obra, Beatriz fala sobre sua experiência com a quimioterapia e a radioterapia e, ainda, sobre a cirurgia de retirada da mama. Ela também "ensina" outras pacientes a lidarem com os olhares de pena.

"Foram muitas as situações, principalmente quando eu usava lencinho e estava sem sobrancelha e sem cílios", conta.

"São muitos os olhares de pena quando você está sem as suas molduras estéticas", diz Beatriz.

"Eu saí careca para restaurante, para balada, para o laboratório onde eu tirava sangue toda semana. As pessoas encaravam."

Beatriz conta que não conseguiu se adaptar à peruca e que, ao longo do tratamento, foi descobrindo como lidar com cada nova fase do cabelo.

“As nossas madeixas têm estágios de crescimento: cabelinho de recém-nascido no primeiro mês, look de guerra com dois meses e Halle Berry em uns seis, sete meses”, escreveu.

“Para cobrir toda a cabeça, são aproximadamente três meses após a última dose de quimioterapia. Em um ano e meio, o cabelo está na altura do queixo, meio repicado, à la Chitãozinho e Xororó", completou.



'Eu saía careca', conta Beatriz (Foto: Arquivo pessoal)