Paciente recebe terapia de prótons no
Hospital Universitário de Heidelberg, na Alemanha (Foto: Siemens Divulgação )
Tratamento
contra o câncer impede que radiação afete tecidos saudáveis. Entenda por que
isso é particularmente importante em tumores infantis.
Por Monique
Oliveira, G1
12/12/2017 06h25 Atualizado há 2 horas
Um tipo de
radioterapia contra o câncer com base em prótons, as partículas subatômicas de
carga positiva, impede que a radiação atinja tecidos saudáveis. Isso evita o
surgimento de tumores "radioinduzidos" décadas após o tratamento,
dizem especialistas, e isso é especialmente importante para o tratamento em
crianças.
O primeiro
aparelho foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no
início do novembro para uso no Brasil. No entanto, os custos, a necessidade de
grande infraestrutura e o fato de seus benefícios nem sempre serem imediatos
ainda são impeditivos para que o acesso a esse tratamento seja ampliado
rapidamente.
A terapia tem
como principal vantagem sua especificidade: a radiação atinge somente o tumor.
Quando fazemos uma radioterapia comum contra um tumor específico, por exemplo,
outros tecidos adjacentes, saudáveis, são atingidos. Em alguns casos, mas não
frequentemente, esses tecidos antes normais podem se transformar em tumores
induzidos por radiação décadas mais tarde.
Qual a diferença entre radioterapia e
quimioterapia?
A radioterapia utiliza a radiação para “arrancar”
o DNA das células malignas e, com isso, destruí-las. A usada na medicina é de
um tipo específico: a ionizante. Essa radiação tem uma energia tão forte que
consegue desprender os elétrons do átomo, o que altera totalmente a estrutura
do alvo.
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Já a quimioterapia, não tem por base a radiação,
mas o uso de compostos químicos que circulam pela corrente sanguínea. Uma
outra diferença é que a quimioterapia tem por alvo também a metástase, e não
só o tumor de origem, já que circula por todo o corpo.
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O problema pode
ocorrer quando os tumores que recebem a radiação são infantis -- e essas
crianças que receberam a radiação têm de enfrentar um segundo câncer quando
ficam mais velhas, como resultado do tratamento feito quando jovens. Um dos
tumores induzidos por radiação, por exemplo, é o linfoma (tumores do sistema
linfático, responsável pela produção dos glóbulos brancos) e o sarcoma (tumores
das partes moles, como aqueles de tecidos musculares).
“Em uma pessoa
que recebe a radioterapia aos 60 anos, isso não é uma preocupação, mas em
crianças, sim”, diz Antônio Cássio Pellizzon, diretor de radioterapia do A.C.
Camargo Cancer Center.
Para tentar
resolver esse problema, a medicina há algum tempo tem apostado na terapia de
prótons, ou “proton beam therapy”, como é comumente mencionada em artigos
científicos.
A terapia
chegou a ser objeto de uma disputa no Reino Unido há três anos. O menino Ashya
King estava recebendo o tratamento para um tumor de cérebro, mas foi retirado do hospital pela família, que o
levou para a Espanha.
Eles iriam
vender um apartamento na Espanha para que King pudesse realizar a terapia de
prótons na República Tcheca. A família chegou a ser presa em Madri porque a
remoção não teria sido autorizada por médicos, mas solta logo depois. Em 2015, a
família divulgou que o menino não tinha mais sinais do tumor.
A terapia está disponível
em larga escala nos Estados Unidos e em alguns países da Europa e da Ásia. Não
há tratamento disponível na América Latina, embora haja informações de que um
aparelho tenha sido vendido na Argentina.
Em relação ao
Brasil, a empresa americana que teve o aparelho aprovado na Anvisa, a Varian
Medical Systems, informa que mantém negociações no país. “Existe um interesse
crescente de algumas instituições líderes no Brasil para analisar a tecnologia,
bem como o investimento envolvido, mas não podemos dar mais detalhes”, disse
Mark Plungy, do marketing da Varian.
A terapia e as evidências
Induzida por
prótons, a nova terapia consegue ser direcionada especificamente para o
tumor-alvo. Células saudáveis, dessa maneira, ficam praticamente livres da radiação.
Uma outra indicação da abordagem é a aplicação em alguns tumores inoperáveis,
como alguns de cabeça e pescoço. Células malignas próximas a regiões sensíveis
no cérebro, por exemplo, também se beneficiaram de uma radiação mais focada --
como foi o caso do garoto no Reino Unido.
Especialistas
salientam que a principal vantagem da terapia de prótons sobre as atuais é
justamente a pouquíssima radiação que vai para os tecidos saudáveis. Mas não há
evidências de que a terapia de prótons seja mais eficazes que os tratamentos
usados atualmente.
"Ainda não
foram apresentados estudos dizendo que o benefício clínico é superior",
diz Arthur Rosa, presidente da Sociedade Brasileira de Radiologia. "Mas
você entrega muito menos dose nos tecidos adjacentes. Quanto menos radiação
espalhada, melhor."
Indicações de uso
Hoje, a terapia
tem indicação específica (o que significa que seria uma das primeiras
indicações terapêuticas) para tumores oculares, tumores da espinha, tumores da
base do crânio e tumores do fígado. Outras indicações poderiam ser avaliadas a
depender do caso. “Uma mulher com câncer de mama, por exemplo, que, por alguma
cardiopatia, não poderia receber nenhuma radiação no coração”, diz Pelizzon.
Outra indicação
da terapia de prótons é em áreas que já receberam radiação anteriormente. “Se
esse tumor volta, não são todos os casos em que a radioterapia pode ser
indicada novamente. Os tumores de próstata são exemplos disso também por uma
série de condições anatômicas”, explica Pellizzon.
A diferença da
terapia de prótons para as terapias atuais
Na radioterapia por feixe de fótons, como é chamada
a radioterapia mais usual, a radiação costuma atravessar o corpo do paciente,
explica Eduardo Weltman, médico rádio-oncologista do Centro de Oncologia e
Hematologia do Hospital Albert Einstein. É essa mesma radiação que faz as
imagens por raio-x. As radiografias são produzidas justamente porque a radiação
atravessa o corpo.
Já no caso dos prótons, as partículas são jogadas
diretamente no corpo, e elas não atravessam totalmente o organismo como no caso
dos fótons – fato que lhes confere maior especificidade para atingir no tumor.
“Quando o próton sai, ele vai até uma determinada profundidade e isso é a
vantagem”, diz Weltman.
"Uma característica interessante do próton é
que ele só vai se ionizar e liberar energia em uma determinada profundidade, e
isso é fundamental", diz Rosa. O mecanismo descrito pelo especialista é
conhecido como 'Pico de Bragg'.
O acelerador de partículas também demanda mais
espaço e tecnologia porque os prótons têm mais massa que os elétrons; com isso,
o custo é maior.
Uma das vantagens, no entanto, é que um mesmo
acelerador de partículas pode tratar ao mesmo tempo 4 pacientes. “Se pensarmos
em uma analogia, é como se fosse uma sala com um ar condicionado, por exemplo.
A energia gerada pode tratar esses pacientes ao mesmo tempo”, explica
Pellizzon.
A
disponibilidade e o problema do custo
Toda a infraestrutura necessária para
disponibilizar a terapia de prótons chegou a custar US$ 200 milhões no passado,
com a necessidade de 5 mil m² de área dedicada. Hoje, esse montante é de US$ 30
milhões para algo entre 700 e 800 metros -- o preço, contudo, não caiu o suficiente
para ser adotado em larga escala.
“Hoje, um acelerador linear
ocupa 40 m²”, diz Pellizzon. “Então, a terapia de prótons, além de ter um custo
mais alto, também tem uma demanda de espaço que é cara em muitas cidades”,
completa.
Outra questão é que o acelerador deve ser instalado
com especificações rígidas -- como a necessidade de quatro andares para que a
radiação não atinja o solo, e que o local suporte o peso dos equipamentos.
O superintendente de Negócios do A.C. Camargo
Cancer Center, José Marcello Amatuzzi, diz que avalia a chegada da terapia de
prótons no Brasil há dois anos. “Estamos acompanhando os preços”, diz.
Segundo Amatuzzi, mesmo com o alto investimento, o
retorno da tecnologia só viria daqui a três anos pela dificuldade de implementação
da infraestrutura – que depende de um síncroton, um acelerador de partículas
capaz de produzir o feixe de energia que irá ser direcionado ao tumor.
Já Eduardo Weltman, do Einstein, diz que já dá para
alguns centros no Brasil começaram a pensar na implementação, e é o que deve
acontecer nos próximos anos.
“O avanço foi muito grande e
os aparelhos ficaram mais portáveis, mas, claro, não vai ser algo que vai dar
lucro, pelo contrário, muitos centros nos Estados Unidos estão quebrando.
Então, isso vai vir de instituições que não têm o lucro como uma meta
primordial”, diz.
Há riscos também de o aparelho gerar processos
judiciais para a utilização pelo alto custo – e não se sabe como será a
regulamentação no Brasil.
Para Arthur Rosa, uma estratégia interessante é o
desenvolvimento de um centro de prótons público ou privado que pudesse atender
pacientes de diversos hospitais. "Se há vários centros, algumas máquinas
podem ficar ociosas porque a terapia acaba tendo uma utilização mais
específica. O melhor seria um consórcio para que um único centro pudesse
atender a vários pacientes."
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