quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Lucas Mendes, de Nova York

BBC - 04/10/2012
Mais cedo ou mais tarde eu teria um encontro com o câncer. Bateu em volta tantas vezes, levou minha mãe pelo seio, amigos próximos e distantes.
Foi debaixo do chuveiro que senti um volume anormal, endurecido, maior que o próprio testículo direito. Sempre houve lá uma anormalidade, um corpo disforme ligado ao testículo, mas era pequeno e macio.
Adolescente, fui operado de varicocele no testículo esquerdo, mas o médico achou que não precisava operar o direito. Este médico errou em vários outros diagnósticos e explicou que a varicocele, que são como varizes internas, em geral, são resultado de prática de esporte sem sunga atlética. Há outras doenças que produzem caroços e substâncias no testículo mas hoje elas não interessam.
Meu médico marcou a consulta para dali a uma semana e talvez esta tenha sido a causa da minha tranquilidade. A falta de urgência era boa noticia.
A consulta
Oito horas de uma linda manhã entrei no consultório com vista para as árvores da Washington Square. Ele apalpou e não gostou:
- Não sei o que está aí dentro. O sonograma vai nos dizer.
O exame foi marcado para a semana seguinte. Saí do consultório surpreso com minha calma, quase indiferença, como se tivesse ido apenas para uma vacina contra gripe que, de fato, tomei.
Seria um caso de "simple denial", simples negação do problema? Não sei. Nem fiz pesquisa sobre câncer de testículos. Sabia alguma por causa do Lance Armstrong, o incrível ciclista que conquistou sete vezes o Tour de France e acabou desqualificado por causa das drogas.
No caso dele o câncer saiu do testículo para o pulmão e cérebro. O prognóstico era péssimo. Duas cirurgias depois, reabilitação e um super homem dopado foi campeão nas montanhas francesas.
Durante alguns dias evitei contar até para minha mulher que tem temperamento italiano e fica "itálica" em casos de doença. Depois da reação inicial, previsível, veio com um consolo: é o tipo mais comum de câncer entre homens de 20 a 39 anos e o mais curável.
O tratamento de câncer me assusta tanto ou até mais que a doença. Sou um covarde para lidar com resfriados e passo até dez anos sem ter um.

O sonograma
Foi numa tarde também ensolarada. A confortável recepção da clínica dava para uma tarde cheia de arvores e vida na Union Square. Ia sair dali canceroso? Naquela madrugada tinha tido a primeira insônia sobre a possibilidade da doença e minha negação.
Irina, a especialista enfermeira, uma geladeira, do sonograma, passou o creme no aparelho e começou a fotografar o testículo. Tinha recaído na negação e quase cochilava no conforto da cama.
- Isto não é câncer. É um cisto cheio de liquido, mas é diferente.
Depois de quase meia hora de "clic clics" me disse que eu tirasse um cochilo enquanto ia mostrar as fotos ao médico. Acordei com uma jovem médica negra, Michele. Repetiu todo o processo nos dois testículos:
- Meu jovem, vá para casa e não se preocupe. Seu médico vai ligar para você.
Duas horas depois ele ligou e encerrou o caso:
- Não precisa fazer nenhum outro teste agora nem no futuro. Não é câncer.
A negação
A negação funcionou. Em sinuca, o câncer cometeu suicídio. Acontece quando quem taca erra a bola e a branca cai na caçapa.
Estou assistindo ao debate entre o presidente e o governador com um charuto, um dos raros deste ano, um copo de vinho, pronto para negar ou até confrontar o próximo câncer.
E os republicanos? Historicamente o candidato que desafia o presidente ganha mais pontos nas pesquisas e elas confirmam que Romney não se suicidou, mas os republicanos continuam na boca da caçapa e em negação. Vão anunciar que ganharam o debate, vão sobreviver e ganhar a eleição. Comigo deu certo.

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