Gina Kolata
Do The New York Times
21/10/201307h00
Por mais de um século, os pesquisadores ficaram intrigados com a capacidade incrível das células cancerosas de escapar do sistema imunológico. Eles sabiam que as células cancerosas eram grotescamente anormais e deveriam ser mortas pelos glóbulos brancos do sangue. No laboratório, em placas de Petri, os glóbulos brancos do sangue atacavam as células cancerígenas. Por que, então, os cânceres conseguiam sobreviver no corpo?
A resposta, quando finalmente surgiu há poucos anos, chegou com um bônus: uma forma de impedir a estratégia do câncer. Os pesquisadores descobriram que os cânceres se envolvem em um escudo protetor invisível. E eles descobriram que podem quebrar esse escudo com as drogas certas.
Quando o sistema imunológico fica livre para atacar, os cânceres podem encolher, parar de crescer e até mesmo desaparecer nos pacientes felizardos com as melhores respostas.
Pode não importar que tipo de câncer a pessoa tem. O que importa é permitir que o sistema imunológico faça seu trabalho.
Até o momento, as drogas foram testadas e ajudaram pacientes com melanoma, câncer de rim e de pulmão. Em estudos preliminares, elas também parecem ser eficazes em câncer de mama, câncer de ovário e cânceres de cólon, estômago, cabeça e pescoço, mas não no de próstata.
Ainda é cedo, é claro, e restam dúvidas. Por que apenas alguns pacientes respondem às novas imunoterapias? Essas respostas podem ser previstas? Assim que repelidos pelo sistema imunológico, por quanto tempo os cânceres permanecem sob controle?
Ainda assim, os pesquisadores acham que estão vendo o início de uma nova era na medicina do câncer.
"Incrível", disse o dr. Drew Pardoll, o diretor de pesquisa de imunoterapia da Escola de Medicina Johns Hopkins. Este período será visto como o ponto de inflexão, ele disse, o momento na história da medicina em que tudo mudou.
Pesquisadores e empresas dizem que estão apenas começando a explorar as novas imunoterapias e a desenvolverem outras para atacar os cânceres, como o de próstata, que parece usar moléculas diferentes para escapar dos ataques imunológicos. Eles estão nos primeiros estágios de combinação de imunoterapias com outros tratamentos em uma tentativa de melhorar os resultados.
"Eu quero ser muito cuidadoso para não badalar em excesso e aumentarmos tanto as expectativas dos pacientes a ponto de não conseguirmos atendê-las", disse a dra. Alise Reicin, vice-presidente da Merck para pesquisa e desenvolvimento.
Mas as empresas têm um incentivo para acelerar o desenvolvimento dos medicamentos. Eles deverão ser caros e a demanda imensa. Adiamentos de até mesmo poucos meses significam uma perda enorme de receita potencial.
Baixando as defesas
A história dos novos tratamentos de câncer começou com a descoberta de como os cânceres evitam os ataques. Foi descoberto que eles usam os próprios freios do corpo, que normalmente desligam o sistema imunológico após ele concluir seu trabalho de matar as células infectadas por vírus.
Um sistema de freio, por exemplo, usa uma molécula, a PD-1, na superfície das células T do sistema imunológico. Se uma célula alvo tem moléculas conhecidas como PD-L1 ou PD-L2 em sua superfície, a célula T não pode atacá-la.
Assim, algumas células cancerosas se cobrem dessas moléculas. O efeito, quando as células T estão próximas, é como se desligasse um interruptor. As células T simplesmente se desativam.
Acredita-se que os cânceres que não usam PD-L1 ou PD-L2 utilizam outros sistemas semelhantes, que estão começando a ser explorados. Os sistemas do corpo contam com muita redundância para conter os ataques imunológicos. Mas por ora, o sistema PD mostrou aos pesquisadores como as células cancerosas podem escapar da destruição.
"Isso foi compreendido nos últimos anos", disse Ira Mellman, vice-presidente de pesquisa oncológica da Genentech. "As células de tumor estão fazendo uso desse freio."
A descoberta levou a uma ideia: talvez uma droga que cobrisse quaisquer uma dessas moléculas PD, nas células cancerosas ou nos glóbulos brancos do sangue, permitiria ao sistema imunológico realizar o seu trabalho.
O primeiro indício de que o escudo protetor do câncer poderia ser rompido ocorreu em 2010, depois de um teste da droga ipilimumab em pacientes com melanoma fora isso sem tratamento. A droga libera o sistema imunológico, permitindo que ataque os tumores mesmo se contarem com o escudo protetor.
Os pacientes que receberam a droga sobreviveram em média 10 meses, ou quatro meses a mais do que aqueles que receberam aleatoriamente um tratamento diferente. E aproximadamente 20% dos pacientes que responderam já sobreviveram até 10 anos. Ela foi a primeira droga a melhorar a sobrevivência de pacientes com melanoma metastático em um teste aleatório.
"Foi espetacular", disse o dr. Axel Hoos, vice-presidente de pesquisa oncológica e desenvolvimento da GlaxoSmithKline, que ajudou a desenvolver a droga quando estava na Bristol-Myers Squibb. "Até esse ponto de inflexão, a imunoterapia tinha má reputação. Ela não funcionava."
A droga foi aprovada para melanoma em março de 2011, com um preço caro –US$ 120 mil por todo o período de tratamento.
Ela também tinha outro revés. Ao liberar o sistema imunológico, isso às vezes levava a ataques às células normais. Em alguns casos, a reação era fatal. Mas o teste foi uma prova de conceito. Ele provou que os cânceres podem sucumbir ao ataque pelo sistema imunológico.
Emblemas de esperança
À medida que os pesquisadores continuam estudando novas drogas e perguntam se podem melhorar seus resultados ao combiná-las com outras terapias, eles são animados por alguns dos raros pacientes cujos cânceres foram detidos pelas drogas. Eles alertam que esses pacientes são incomuns; estudos críticos que revelam os efeitos das drogas sobre populações de pacientes de câncer ainda estão em curso.
"O que realmente queremos saber é, as pessoas estão vivendo mais tempo?" disse o dr. Roger M. Perlmutter, presidente do laboratório de pesquisa Merck. Para isso, "será preciso esperar", ele prosseguiu, acrescentando: "O que não quero fazer é dar falsa esperança às pessoas".
Mas alguns pacientes, como dois tratados na Hopkins, se transformaram em emblemas de esperança.
Em 2007, Dennis M. Sisolak, que tem 72 anos e é um engenheiro aposentado de Bel Air, Maryland, soube que tinha câncer de rim. O tumor era imenso e o câncer tinha se espalhado. Após tentar duas novas drogas sem sucesso, seu médico, o dr. Charles G. Drake, um especialista em câncer de rim da Johns Hopkins, o inscreveu em um teste clínico inicial do inibidor do PD-1. Seu câncer desapareceu nos exames e não retornou, apesar de não estar mais sob tratamento há um ano.
"Eu tenho muita gente rezando por mim", disse Sisolak.
Drake disse que três de seus pacientes apresentaram respostas semelhantes, incluindo um que foi tratado há cinco anos no primeiro estudo. Todos, com a doença em estágio avançado, já estariam mortos a esta altura, ele disse, acrescentando: "Pessoalmente, nunca vi nada assim".
David Gobin, 63, um policial aposentado de Baltimore, tem uma história semelhante. Ele soube que tinha câncer de pulmão em 2008. Ele passou por cirurgia para remoção dos lobos inferiores de seu pulmão direito, depois radioterapia e quimioterapia.
O tratamento foi penoso: ele perdeu 31 quilos. Dois anos depois, o câncer tinha voltado e se espalhou para a parede do peito. Ele passou por mais cirurgia, mais quimioterapia, mais radioterapia.
Em 2010, Gobin entrou em um teste clínico de uma droga experimental que interfere no crescimento celular, mas sem sucesso.
Então seu médico na Johns Hopkins sugeriu um teste em Fase 1 de uma droga anti-PD-1.
"Claro, eu participarei", Gobin lembrou ter dito. "O que tenho a perder?"
Seus tumores encolheram significativamente e não cresceram de novo, mesmo quando ele parou de tomar a droga há oito meses.
"Todo dia que meus pés pisam na grama é um bom dia", disse Gobin. "Eu estava no local certo, na hora certa. Eu sempre terei câncer, mas sabe de uma coisa, eu posso viver com isso."
"O Senhor queria que eu permanecesse vivo e eu estou vivo."