quinta-feira, 10 de julho de 2014

Possível cura de câncer com vírus do sarampo é questionada por especialistas


Experiência feita nos EUA levanta polêmica
Jornal do Brasil - Rafael Gonzaga 24/05/2014

Pesquisadores de Minnesotta, nos Estados Unidos, conseguiram demonstrar que a manipulação do vírus do sarampo em uma técnica chamada virusterapia pode ser eficaz no combate contra o mieloma múltiplo, um tipo de câncer que atinge as células plasmáticas da medula óssea. A virusterapia é uma técnica onde o câncer é destruído com utilização de um vírus que infecta e mata as células cancerosas, poupando os tecidos normais. Os resultados foram divulgados em edição de maio do periódico “Mayo Clinic Proceedings”.
De acordo com o periódico, uma paciente de 49 anos diagnosticada com um tumor na testa e com o mieloma múltiplo recebeu uma dose intravenosa do vírus do sarampo conhecido como MV-NIS, seletivamente tóxico às células de plasma do mieloma.

A forte dose do vírus do sarampo manipulada em laboratório teria eliminado pela primeira vez o câncer da paciente. A dose utilizada no estudo continha 100 bilhões de unidades infecciosas do vírus do sarampo. Uma dose normal de vacina do sarampo contém 10 mil unidades infecciosas.

Apesar de apresentar efeitos colaterais como fortes dores de cabeça, o tumor na testa desapareceu e a medula ficou livre do mieloma. A remissão teria durado nove meses e, assim que o tumor na testa começou a reaparecer, os médicos o trataram com radioterapia local. A paciente continua fazendo acompanhamento para garantir que está livre do câncer.

O hematologista Stephen Russell, co-desenvolvedor da terapia, disse na publicação acreditar que essa possa se tornar uma cura de aplicação única. “Temos aqui um tratamento que você aplica uma vez e o efeito pode ser a remissão de longo prazo do câncer”, disse Russell.

Contudo, o oncologista Evanius Wiermann, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBCO), deixa claro que este ainda se trata de um tratamento experimental. “O que foi reportado foi um relato de caso individual e que não mudará a prática diária, mas que serve para levantar uma hipótese a ser testada em um futuro”, explica.

Uma segunda paciente acompanhada no estudo não obteve resultados tão satisfatórios. A outra paciente, que tinha tumores nas pernas, não conseguiu erradicá-los com a terapia. As duas pacientes, que já tinham sido expostas ao sarampo no passado, foram as primeiras pacientes a receberem a mais elevada dose possível do tratamento, que em doses menores inferiores não se mostrou efetivo.

O oncologista conta que é preciso tomar cuidado com uma possível empolgação com resultados iniciais de pesquisas. De acordo com ele, de cada 100 novas moléculas ou tratamentos para uma doença oncológica, apenas cinco chegam a ser submetidos a estudos clínicos mais avançados. Dentre esses cinco, apenas um é efetivamente incorporada ao mercado. “Ou seja, 99% são descartados no meio do caminho, seja por toxicidade ou por falta de eficácia comprovado”, conta Wiermann.

Para demonstrar como o processo de desenvolvimento e aprovação de uma pesquisa pode ser complexo, Wiermann conta que uma pesquisa de tratamento do câncer geralmente começa em estudos pré-clínicos, ou seja, sendo testado em animais. A partir daí, se for demonstrado benefício, esse tratamento é encaminhado para um tratamento clínico dividido em três fases. “Inicia-se por um estudo de fase 1, que avalia a dose e segurança do medicamente, depois a fase II, que avalia a eficácia e termina em uma fase III que compara este tratamento ao padrão para aquela doença no momento e, se for melhor ou igual, passa a ser uma nova opção de mercado”, explica.

Outros tratamentos já foram apresentados
De acordo com Wiermann, existem poucos tratamentos virais em oncologia. Um deles seria o T-VEC (virus talimogene laherparepvec), um tratamento baseado em injetar o vírus da herpes diretamente em lesões cutâneas de melanoma para promover a redução deles.

O tratamento é uma das mais recentes inovações na área e foi apresentado na edição de 2013 do Congresso Anual da Sociedade Norte-americana de Oncologia Clínica (Asco), principal evento da área em todo o mundo, mas ainda não é aprovado no Brasil ou nos Estados Unidos.

Wiermann explica que nesse tipo de tratamento, somente o tumor é contaminado. “É a primeira imunoterapia viral para o tratamento do melanoma. Este é um avanço muito interessante e certamente bem maior do que o resultado obtido com o vírus do sarampo, que se trata de uma situação muito mais pontual”, explica.

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