Como brasileiros recorrem às farmacêuticas para ter acesso a
drogas não aprovadas. Pedidos aumentaram 50% em relação a 2015
MARCELA BUSCATO Revista Época
17/07/2016 - 10h00
O mais difícil, o potiguar Roberto Medeiros, de 42 anos,
havia conseguido. Depois de quase dois meses de espera, o medicamento
importado, sua última esperança contra um câncer de pulmão, chegara ao hospital
em que ele estava internado, em Natal. Medeiros pegou o comprimido rosado e o
levou à boca, seguido de um copo com água. Nos meses anteriores, os tratamentos
haviam sido inócuos e os tumores aumentaram a ponto de dificultar sua
respiração. Uma máscara de oxigênio ajudava a suprir o ar que faltava. Mas foi
à emoção, e não à dificuldade de respirar, que Medeiros atribui o engasgo na
hora de engolir o comprimido. Ficou na dúvida se o danado escapulira. No
quarto, sua mulher, Ana Paula, a mãe, a irmã e o cunhado, que assistiam à cena,
lançaram-se ao chão. Foram minutos de inspeção minuciosa, até Medeiros
certificar-se de que o medicamento estava onde deveria: a caminho de destruir
as células do tumor que começara no pulmão três anos antes, atingira o cérebro
e se espalhara para os ossos. “Imagina desperdiçar um dia de remédio?”, diz o
administrador de fala mansa, típica de quem se deu conta da brevidade da vida e
aprendeu a valorizar cada momento. Desde que foi diagnosticado com um tipo de
câncer que costuma afetar jovens que nunca fumaram, como ele, seu maior desejo
é ver crescer os filhos, um menino de 8 anos e uma menina de 6. “Sempre pedi
força e coragem para conviver mais tempo com os meus filhos.”
O comprimido rosado é tão valioso porque Medeiros sabe que
suas opções estão se esgotando. Ele percorreu um roteiro comum a pacientes com
câncer: cirurgia para extirpar o tumor inicial, sessões de quimioterapia e
radioterapia. Por algum tempo, bastou para retardar a doença. Quando os tumores
se espalharam pelos ossos sem dar sinal de responder às drogas tradicionais,
Medeiros chegou a tentar um novo tipo de tratamento, considerado uma das armas
mais promissoras contra o câncer, a imunoterapia. Esse tipo de droga deixa o
tumor mais vulnerável à ação das defesas do organismo. Era vendido nos Estados
Unidos, e não no Brasil. Um funcionário da empresa da família de Medeiros
viajou para buscar o medicamento. Foram US$ 15 mil, posteriormente reembolsados
pelo plano de saúde, acionado na Justiça pela família de Medeiros. Um mês e
meio de tratamento. Nenhum resultado. Diante do fracasso, o médico de Medeiros
adotou o último recurso naquele momento: o comprimido rosado, uma droga que não
estava à venda.
Ainda considerado experimental, o medicamento não tinha sido
aprovado por autoridades sanitárias em nenhum país. Havia apenas os resultados
da segunda etapa de testes em seres humanos – normalmente são exigidas três
fases para que uma empresa possa pedir a autorização para vender uma droga. Os
resultados pareciam promissores para pacientes com quadro semelhante ao de
Medeiros, cujo tumor carregava uma mutação que se fortaleceu em resposta aos
tratamentos anteriores. Seu médico entrou em contato com a empresa que
pesquisava a droga, uma multinacional com sede no Reino Unido, para explicar o
caso e pedir que fornecessem o medicamento. O argumento tem nome: compaixão.
A empresa não tinha obrigação de atender ao pedido e,
seguindo a legislação brasileira, deveria fornecer gratuitamente a droga, que,
ao chegar ao mercado, custaria dezenas de milhares de dólares. “Trata-se de
reconhecer o sofrimento do outro e estabelecer uma relação de ajuda”, diz José
Roberto Goldim, professor de bioética da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Esse tipo de pedido, que recebe o nome de uso compassivo –
adjetivo derivado de compaixão, por seu caráter solidário –, está se tornando
um instrumento importante para possibilitar o acesso de pessoas com doenças
graves a medicamentos que, virtualmente, não existem. Estão fora do alcance por
ainda seguirem em estudo e não serem tratamentos comprovados. Alguns têm
potencial, se não de salvar vidas, de estendê-las. Em muitos casos, são apenas
meses, mas preciosos para o paciente e sua família. É uma tentativa de
conciliar o tempo escasso de quem tem uma doença ao tempo da ciência,
necessariamente cadenciado pelas etapas da pesquisa e das regras regulatórias,
que garantem a segurança humana.
No ano passado, no Brasil, 190 pessoas solicitaram à Agência
Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, autorização para que empresas
fornecessem drogas ainda não aprovadas no país. Neste ano, até a primeira
semana de julho, foram 292 pedidos, um crescimento de 53%. A solicitação de uso
compassivo é individual, mas é possível recorrer a outro tipo de programa,
chamado acesso expandido, que permite a formação de grupos de pacientes para
receber um medicamento em fase de desenvolvimento ou sem registro. Em 2015, foi
solicitada à Anvisa a formação de seis grupos. Neste ano, até a semana passada,
de três.
O uso compassivo ganhou destaque no país nos últimos meses,
desde que grupos de pacientes com câncer passaram a invocá-lo para pedir acesso
à fosfoetanolamina sintética. A substância, apelidada de “pílula do câncer”,
nunca completou as etapas mais básicas de pesquisa em animais. Assim mesmo, foi
distribuída por anos, irregularmente, pelo químico Gilberto Chierice, às portas
do Instituto de Química da Universidade de São Paulo em São Carlos, como se
fosse a cura para todo tipo de tumor. Como não há indícios científicos de sua ação,
apenas relatos anedóticos, a fosfo não cumpre os pré-requisitos para o uso
compassivo.
Uma resolução da Anvisa estabelece os critérios para
autorizar o uso experimental de uma droga. Em vigor desde 2013, ela determina
que apenas substâncias que estejam em processo de desenvolvimento clínico, com
alguns dados de eficácia e segurança em seres humanos, possam ser pedidas para
uso compassivo.
Um médico, e não o paciente, deve fazer a requisição da
droga à empresa desenvolvedora e à Anvisa, que a autoriza a fornecer uma
substância sem registro a um paciente que não faz parte de uma pesquisa. “A
decisão é médica. Não pode ser emocional”, diz o advogado americano David
Farber, que já atuou pela indústria farmacêutica nos Estados Unidos e estuda os
impactos do uso compassivo. “É comum a pessoa pensar que tem o direito de
tentar de tudo porque está no fim da vida. Mas uma droga pode tornar esse período
mais doloroso ou até apressar a morte.”
Essa é a aposta que médico e paciente têm de fazer ao
cogitar um composto experimental: vale a pena correr o risco? Uma nova droga é
aprovada quando os benefícios comprovadamente superam os perigos. Para uma
experimental, não há certeza. “Às vezes, não compensa tentar”, diz o
oncologista Carlos Gil, da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “É
mais seguro manter a qualidade de vida, controlando os sintomas, do que
arriscar efeitos colaterais.”
Como dosar esses riscos é um desafio até para os próprios
médicos. Em um artigo no jornal americano The New York Times, o pediatra
Darshak Sanghavi conta como ele e a irmã, também médica, escreveram uma carta
ao convênio de saúde do pai, nos Estados Unidos, pedindo que cobrisse um
tratamento ainda não comprovado para o patriarca da família. O convênio
aceitou, e uma nova droga passou a ser administrada ao pai de Sanghavi, em
estágio avançado de uma doença que causa dificuldade de respirar. Três vezes
por semana, ele recebia injeções de uma substância já aprovada para tratar
doenças do esqueleto e do sistema imunológico, mas cujos estudos para desordens
respiratórias mal começavam. Apenas nove pacientes haviam sido submetidos ao
tratamento. Os resultados no pai de Sanghavi decepcionaram. Ele passou a sofrer
com febres e dores que o deixaram preso à cama. Os pulmões não melhoraram.
Morreu dois anos depois da publicação do estudo que inicialmente havia dado
esperança à família. “Teria sido melhor que ele nunca tivesse feito o
tratamento”, escreveu Sanghavi. Três anos após a morte do pai, o médico leu em
uma revista científica o veredicto final sobre o uso da substância para tratar
o pulmão: era ineficaz e aumentava o risco de infecções respiratórias. Sanghavi
e a irmã convivem com o peso de ter feito a aposta errada. E são médicos. É
possível que o desejo fervoroso de encontrar uma saída tenha sobrepujado o
discernimento de ambos para avaliar a insuficiência de evidências sobre o
tratamento.
Adequar a expectativa de cura do doente e seus familiares a
um prognóstico pessimista é uma das tarefas mais delicadas de médicos que
tratam pacientes em risco de morrer. Ironicamente, o avanço científico a torna
ainda mais complicada. “Abrem-se frentes enormes e há um excesso de
entusiasmo”, afirma o oncologista Paulo Hoff, diretor-geral do Instituto do
Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). O aperfeiçoamento de técnicas para
analisar e manipular o material genético permitiu a criação de moléculas
capazes de atacar mutações específicas. Algumas estenderam de maneira
significativa a vida de pacientes. Criou-se a sensação de que a cura está a
caminho. E o uso compassivo virou um atalho para atingi-la. “De um lado, o
paciente quer ouvir boas notícias”, afirma Hoff. “Do outro, o médico quer
comprar tempo para o paciente e postergar a conversa difícil sobre o
esgotamento das opções de tratamento.”
Nos Estados Unidos, país que concentra a maior parte da
pesquisa farmacêutica, o número de pedidos de uso compassivo cresceu 25% em
cinco anos. No ano passado, a agência que regula medicamentos, a FDA, recebeu
1.262 solicitações, das quais afirma aprovar 99%. Para alguns grupos de
pacientes, não basta. Eles afirmam que as regras da agência – que, como no
Brasil, restringem o uso a substâncias que já tenham alguns dados clínicos –
obstruem a autonomia do paciente de decidir que tratamentos fazer. A pressão
resultou na criação de leis que garantem o “direito de tentar” em 31 Estados.
Em tese, elas eliminam a necessidade de a FDA autorizar o acesso a drogas
experimentais: o pedido pode ser feito diretamente pelo paciente a empresas e
universidades. Na prática, a validade dessa legislação é polêmica. “Que empresa
vai assumir o risco de dar uma droga em fase de teste a um paciente, sem
autorização da FDA?”, afirma o advogado americano Farber. “E se o paciente
piorar? É um risco jurídico.”
O acesso a substâncias experimentais, tanto nos Estados
Unidos quanto no Brasil, depende da inclinação à compaixão da empresa
responsável pela pesquisa. Ela avaliará se está disposta a fornecer o composto
gratuitamente, o que é regra. Em muitos casos, o custo de fabricação é alto e a
produção é feita na medida para atender apenas os inscritos formalmente nos
protocolos de pesquisa. A preocupação com a reputação da substância em
desenvolvimento também afeta a decisão. “Existe o risco de criar uma imagem
inadequada da droga caso ela não ajude aquele paciente”, afirma Eurico Correia,
diretor médico da farmacêutica Pfizer no Brasil. Mesmo que casos isolados, fora
dos protocolos de pesquisa, não influenciem a aprovação, a repercussão negativa
pode afetar as vendas do medicamento no futuro. O contrário também vale. Para o
oncologista Carlos Barrios, professor da PUC-RS, mais que benevolência das
empresas, há um interesse prático na concessão para uso compassivo. “O
laboratório quer que os médicos daqueles pacientes ganhem experiência com o
medicamento e comentem com os colegas sobre os bons resultados.”
Os critérios que levam uma empresa a fornecer a droga não
costumam ser públicos. No caso da Pfizer, que desde 2011 forneceu medicamentos
ainda não aprovados no Brasil para 52 pacientes com câncer de pulmão, mama e
leucemia, a decisão vem da sede da empresa, nos Estados Unidos. “Tentamos usar
critérios muito parecidos com os do protocolo de pesquisa”, afirma Correia.
A Janssen, uma farmacêutica do grupo Johnson & Johnson,
adotou nos Estados Unidos uma iniciativa pioneira para tornar seus parâmetros
transparentes. Para escolher quem poderia ter acesso a uma droga que estava em
desenvolvimento para tratar mieloma múltiplo, um tipo de câncer do sangue, a
empresa montou um comitê de especialistas, em parceria com o grupo de ética
médica da Escola de Medicina da Universidade de Nova York. A droga era um
medicamento biológico, produzido a partir de células vivas, num processo
complexo e caro. A empresa recebeu 76 pedidos, mas o comitê recomendou que 60
pacientes fossem contemplados. “O primeiro critério é não fazer mal”, diz o
bioeticista Arthur Caplan, diretor da divisão de ética médica da Universidade
de Nova York e um dos membros do comitê. “Se um paciente está doente demais a
ponto de a droga poder matá-lo, não deve recebê-la. Quem está doente há mais
tempo e quem tem dependentes têm prioridade.” A ideia é estender o comitê para
avaliar os pedidos de uso compassivo para outras drogas. No momento, o grupo
seleciona pacientes de fora dos Estados Unidos, já que lá a droga foi aprovada
pela FDA em novembro. O tratamento custa cerca de US$ 20 mil por mês.
Os critérios pouco transparentes não são os únicos obstáculos
ao uso compassivo. Há um filtro socioeconômico invisível. “Aqueles que podem
pagar por melhor atendimento têm mais chances de conseguir drogas
experimentais”, afirma a bioeticista Alison Bateman-House, da Universidade de
Nova York. Isso ocorre porque os médicos bons e bem relacionados é que ficam a
par das novidades nas bancadas dos laboratórios. Além disso, o prestígio do
profissional também pode pesar na decisão da empresa. Um médico admirado tem
maior potencial para influenciar outros com sua opinião sobre o novo
medicamento. “O laboratório tem de ter confiança no médico”, afirma Barrios,
oncologista da PUC-RS. “A empresa precisa ter certeza de que o profissional
cuidará do paciente adequadamente e passará informações sobre os efeitos da
droga que poderão ser úteis.”
O médico também tem de ter disposição – e uma equipe de
apoio – para montar o dossiê exigido pelo órgão de vigilância sanitária e pela
empresa, a fim de pedir o uso compassivo. No Brasil, a burocracia é alvo de
críticas. “Perde-se tempo aguardando a resposta da Anvisa, fazendo o pedido
para a empresa farmacêutica, aguardando o medicamento, geralmente importado,
chegar e ser liberado”, diz o oncologista Rafael Kaliks, diretor científico do
Instituto Oncoguia, entidade que defende os direitos dos pacientes. “Nessa
brincadeira, um paciente em estado grave espera até dois meses.”
A doença não espera. “Já perdi muito paciente por causa
dessa demora para conseguir drogas experimentais”, diz o oncologista Antônio
Carlos Buzaid, diretor-geral do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes do
Hospital São José, em São Paulo. No fim do ano passado, ele viveu com Medeiros,
o paciente do início desta reportagem, a angústia de lutar contra o tempo.
Foram oito semanas até ter em mãos o comprimido importado. Poderia ter demorado
mais. Buzaid encontrou outra paciente no Brasil que já havia importado o
medicamento e que aceitou emprestar alguns comprimidos a Medeiros. No dia em
que ele engasgou e achou ter perdido o aguardado comprimido, o frasco tinha
acabado de chegar a Natal pelas mãos de sua irmã, que fora ao Rio de Janeiro
buscá-lo com a paciente solidária. “Meu anjo”, é como Medeiros se refere a ela.
Os comprimidos o encontraram prestes a ser entubado. Foram
sete dias de medicação até Medeiros ter alta, uma recuperação com que ele não
sonhara nem nas previsões mais otimistas. Sete meses após o início da
medicação, os tumores nos pulmões e as metástases nos ossos não desapareceram
completamente, mas diminuíram de tamanho. Ele aproveita para buscar os filhos
na escola e passar todo o tempo com eles. Sabe que podem vir dias difíceis.
Nesse caso, caberá a seu médico, Buzaid, pensar em novas respostas. “O que mais
faço no fim de semana é mandar e-mails para meus amigos médicos, que trabalham
com pesquisa fora do país, perguntando se sabem de novas drogas em
desenvolvimento”, diz Buzaid.
Quando o medicamento chegou a Medeiros, no final de
novembro, fazia duas semanas que a droga fora aprovada em um processo de
registro acelerado da FDA nos Estados Unidos. Isso significa que ainda faltam
estudos que confirmem sua eficácia, para que ela receba a aprovação definitiva.
Por enquanto, 411 pacientes participaram dos testes. Em até 70%, houve redução
parcial dos tumores, algo semelhante ao que aconteceu com Medeiros. Como ele
conseguiu acesso ao medicamento por compaixão, não há custos com o tratamento.
Nos Estados Unidos e na Europa, onde o medicamento já é vendido, ele pode
custar US$ 12 mil por mês.
Não é raro que drogas pedidas para uso compassivo, sem
registro no Brasil, já tenham sido aprovadas – ainda que provisoriamente – nos
Estados Unidos e na Europa. Dos 16 medicamentos solicitados à Anvisa entre 2015
e maio deste ano, 13 já tinham registro na FDA antes de 2015.
A lentidão para registrar novas drogas no Brasil tem dois
componentes. O primeiro é a demora das empresas em submeter seus medicamentos à
aprovação no Brasil. “Muitos demoram porque sabem que a Anvisa pedirá mais
dados, que eles ainda não têm, ou porque preferem investir primeiro no mercado
americano e europeu, maiores”, diz o oncologista Gilberto Lopes, do grupo Oncoclínicas,
no Brasil, e professor da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Um
levantamento feito por ele sugere que as farmacêuticas levam mais de um ano,
após enviar o pedido de aprovação nos Estados Unidos, para tentar o registro no
Brasil. Em segundo lugar, há a demora da Anvisa em analisar o pedido. O
levantamento sugere que a Anvisa demora, em média, oito meses a mais que a FDA
para aprovar uma droga oncológica. Se nos Estados Unidos o registro sai em seis
meses, no Brasil demora 14.
“Falta estrutura na Anvisa para analisar os pedidos com mais
agilidade, mas há também um componente ideológico”, diz Antônio Brito,
presidente da Interfarma, entidade que representa a indústria farmacêutica. “Há
resistência em aceitar análises feitas por agências de outros países e uma
pressão dos escalões superiores da Anvisa para negar ou postegar a aprovação de
medicamentos. É uma maneira de fazer com que não seja pedida a incorporação
desses medicamentos ao Sistema Único de Saúde.”
Um levantamento da Interfarma sugere que, mesmo quando os
medicamentos oncológicos são aprovados no Brasil, não é regra serem
incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Das 18 principais drogas usadas
para tratar os cânceres mais comuns em 2014, 17 tinham registro, mas apenas seis
estavam disponíveis na rede pública.
A Anvisa nega qualquer motivação financeira. “Se há demora,
se deve a nossa própria fragilidade, e não a nenhuma influência”, diz o médico
sanitarista Jarbas Barbosa, diretor-presidente da Anvisa. Ele diz defender o
aumento do intercâmbio de informações entre agências sanitárias para agilizar o
registro de medicamentos, mas não abre mão da autonomia sobre a análise. “É uma
questão de soberania nacional. Se acatarmos as decisões de outras agências,
estaremos abrindo mão da nossa responsabilidade sanitária”, afirma Barbosa, com
um argumento compreensível. Em seguida, usa outro, um tanto alienígena à
questão. “Se aprovássemos automaticamente as drogas porque foram registradas
nos Estados Unidos, teríamos uma enxurrada de produtos americanos e
liquidaríamos a indústria nacional.”
No meio da troca de acusações, resta ao paciente recorrer à
Justiça para pedir que planos de saúde ou o SUS arquem com medicamentos sem
registro. Ou ter a sorte de contar com médicos e centros de saúde informados
sobre a possibilidade do uso compassivo. “No Brasil, com a dificuldade de
acesso a medicamentos de ponta, o uso compassivo é uma arma poderosa”, diz Gil,
da Sociedade de Oncologia Clínica. “É uma maneira de o paciente ter acesso a
uma tecnologia a que nunca teria no SUS.”
APOSTA
É o caso da estudante paulista Sabah Mohamed Ali, de 18
anos, atendida no Icesp, centro de referência no tratamento de câncer que adota
o uso compassivo como uma estratégia. Sabah usa desde setembro de 2015 uma
droga para combater um câncer de pulmão, depois de passar por quimioterapia e
radioterapia nos últimos dois anos. Sabah lida com uma forma rara de câncer,
descoberto depois de sentir dores no peito. Por meses, ela ignorou o incômodo, que
julgava resultar da má postura nas horas de estudo. Quando recebeu o
diagnóstico, no 2o ano do ensino médio, estudava para o vestibular. A
princípio, cogitou engenharia. Depois de descobrir o tumor de 7 centímetros no
pulmão esquerdo, a medicina entrou em seus planos. “Quero ajudar as pessoas”,
diz a jovem, que faz cursinho.
O medicamento está aprovado nos Estados Unidos desde abril
de 2014. A fabricante afirma que submeteu o pedido de registro no Brasil à
Anvisa. No mercado americano, o tratamento com a droga custa cerca de US$ 13
mil por mês. “Não sei até quando terei de tomar, mas o médico me disse para
pensar como se fosse um remédio de pressão”, diz Sabah, que se angustia a cada
três meses com uma nova rodada de exames. Até agora, o tumor que tomava parte
do pulmão parece estar se fragmentando. “É um bom sinal”, diz Tiago Takahashi,
o oncologista que acompanha Sabah no Icesp. Para ela e sua família, a droga é a
maior esperança. “Quando jogam uma bomba como a notícia do câncer, a única
coisa que você espera é que o medicamento dê certo”, diz Sahar, de 16 anos,
irmã de Sabah, que raspou os cabelos em solidariedade à irmã nos tempos da
quimioterapia. Agora elas veem os cabelos crescer e a vida prosseguir.
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