Marta Vieira - Estado de Minas
Publicação: 27/05/2010 06:37
Todo o trabalho dos herdeiros para colocar em dia as obrigações financeiras que persistem mesmo depois da morte consome tempo e dezenas de páginas dos processos de espólio. O que eles desconhecem, frequentemente, são os direitos do contribuinte falecido que continuam vivos, embora o governo federal não faça a menor questão de reconhecê-los. Contrariando essa lógica muito comum, o juiz Eduardo José Corrêa, da 21ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte, julgou procedente o pedido de devolução de valores pagos a título de Imposto de Renda aos herdeiros da ex-pensionista Arminda Francisco de Melo, morta em junho de 2006 aos 80 anos. O IR foi descontado dos vencimentos dela durante o período em que sofria de doença grave incluída na legislação brasileira como passível de isenção da cobrança do IR.
Na sentença, que ainda depende de confirmação do Tribunal Regional Federal - 1ª Região (TRF), o juiz determina a restituição dos valores descontados de julho de 2002 a julho de 2007, com correção monetária e juros de 1% ao mês. A decisão é um precedente importante não só para os casos de direitos não resguardados aos contribuintes, como também para as famílias que não se veem estimuladas a questionar a Justiça sobre o complexo direito tributário.
Cálculos preliminares feitos pela advogada Valentina Avelar de Carvalho, autora do processo de espólio de Arminda Melo, levam os créditos a que os herdeiros têm direito a cerca de R$ 740 mil, sendo quase metade do valor referente à parcela dos juros. A Procuradoria da Fazenda Nacional deverá recorrer da decisão, como ocorre de praxe nesses casos. “Cada vez mais a Justiça se mostra coerente em garantir os direitos do contribuinte, diante das manobras da administração pública”, afirma Valentina de Carvalho.
A advogada observa que há situações também frequentes em que o contribuinte favorecido pela isenção do IR por motivo de doença grave, como câncer, cardiopatias e diabetes mellitus, volta a ser tributado passados cinco anos do diagnóstico médico, sob alegação de que ele não é mais portador de sintomas. A conclusão é amparada em exames anuais aos quais a pessoa tem de se submeter.
Como em dezenas de casos, a família de Arminda Melo, ex-pensionista de um funcionário da Justiça do Trabalho de BH, só descobriu no decorrer do processo de espólio que ela tinha direito à isenção do IR no período em que sofreu de cardiopatia grave. A filha, Maria Beatriz Rotsen de Melo, comemorou a sentença do juiz federal Eduardo Corrêa, mas está certa de que a batalha ainda se estenderá. “Percebemos que existe o caminho, entretanto isso não é o final”, afirma. Para ela, a experiência da família mostra o valor da divulgação dos direitos do contribuinte.
O advogado Danilo Santana, presidente da Associação Brasileira de Consumidores (ABC), com sede na capital mineira, confirma a tese de que a complexidade do direito tributário costuma afastar os contribuintes que poderiam ser beneficiados. Herdeiros, então, nem se fala. “Muitas vezes, o espólio se envolve na busca de regularizar as pendências financeiras e nem trata dos direitos. Lamentavelmente, a lei estabelece as normas, mas o Banco Central e a Receita Federal não os reconhecem”, afirma. De acordo com Santana, cerca de 17% das ações ajuizadas para recuperação de valores expurgados das cadernetas de poupanças ao longo de planos econômicos adotados no Brasil são movidas por herdeiros dos titulares das contas.
O artigo 6º da Lei 7.713 de 1988 isenta do IR os proventos de aposentadoria ou reforma recebidos por pessoas que tem doenças graves definidas no inciso XIV. Entre elas está a cardiopatia grave de que sofria Arminda Melo. A ação movida pelos herdeiros dela deu entrada na Justiça Federal em agosto de 2007 e a sentença só foi publicada no mês passado. Outra decisão favorável ao contribuinte, segundo a advogada Valentina de Carvalho, foi tomada em abril pela ministra Eliane Calmon, ao tratar de isenção do IR para portadores de cancer.
A ministra do STJ assegura o direito do contribuinte aposentado que sofre de câncer, sem a necessidade de que ele demonstre sintomas recentes. Da mesma forma, não será necessária a indicação da data de validade do laudo pericial ou comprovação de recaída da doença. De acordo com a sentença, “o entendimento do STJ é no sentido de diminuir o sacrifício do inativo, aliviando os encargos financeiros relativos ao acompanhamento médico e remédios”.
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