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DENISE GRADY
do New York Times
Dr. Howard Riina enfiou um tubo fino através de um labirinto de artérias no cérebro de Dennis Sugrue, observando imagens de raios-X em um monitor, para verificar seu progresso. No local onde uma operação anterior havia removido um tumor maligno, ele introduziu uma droga chamada manitol e liberou um fluxo de Avastin, droga contra o câncer.
Médicos e enfermeiros observavam tudo com muita concentração, temendo que a Avastin pudesse causar inchaço cerebral, hemorragia ou convulsão. Porém, Sugrue saiu ileso. Meia hora depois do procedimento, ele acordou da anestesia murmurando "Mais", desejando receber uma dose maior.
Tratava-se de um experimento. Sugrue, 50 anos, que trabalha para um fundo hedge e tem dois filhos adolescentes, participava de um estudo de pessoas com glioblastoma --o mesmo tipo de tumor cerebral que matou o senador americano Edward M. Kennedy, de Massachusetts, em agosto-- e foi apenas a segunda pessoa a receber o Avastin em seu cérebro diretamente.
Aplicar drogas no cérebro sempre foi um grande desafio no tratamento de tumores e outras doenças neurológicas, pois a barreira hematoencefálica, um sistema de defesa natural, não permite a entrada de muitas drogas. O estudo do qual Sugrue participa, no NewYork-Presbyterian/Weill Cornell, combina tecnologias tradicionais de uma forma nova para abrir a barreira e aplicar doses extraordinariamente altas de Avastin diretamente nesses tumores mortais --sem encharcar o resto do cérebro com a substância e expô-lo a efeitos colaterais.
O objetivo é encontrar formas melhores de tratar glioblastomas. No entanto, a técnica também pode ser útil para metástases cerebrais, ou seja, quando o câncer se espalhou para outras partes do corpo, como mamas ou pulmões --algo que ocorre em cerca de 100 mil pessoas por ano nos Estados Unidos. O mesmo procedimento também poderia aplicar outras drogas e talvez ser usado para tratar distúrbios neurológicos, como esclerose múltipla ou mal de Parkinson, se terapias adequadas forem desenvolvidas.
O sistema de defesa que os médicos estão tentando quebrar evoluiu para não permitir a entrada de toxinas e micróbios. Ele consiste basicamente de células que se alinham às paredes dos vasos capilares do cérebro e ficam tão juntinhas que muitas moléculas do fluxo sanguíneo não conseguem deslizar entre essas células para atingir o tecido cerebral. No entanto, certas drogas, como o manitol, temporariamente abrem essa barreira e foi usada pela primeira vez há mais de 20 anos, a fim de ajudar outros medicamentos a atingir o cérebro.
A nova técnica sofistica a arte de abrir tal barreira: são usados microcateteres --tubos finos e altamente flexíveis, inseridos em uma artéria da virilha e depois movidos cautelosamente até vasos sanguíneos bem finos em quase qualquer local do cérebro-- para borrifar a quimioterapia diretamente nos tumores ou áreas das quais esses tumores foram removidos. Os cateteres são normalmente usados para aplicar drogas para dissolver coágulos no cérebro, com o objetivo de tratar derrames.
"Isso vai mudar significativamente a forma como a quimioterapia será administrada no futuro", disse Dr. John Boockvar, o cirurgião cerebral que organizou o experimento. "Mas temos de provar que, em certas doses, ninguém se prejudica".
Em relação aos pacientes de glioblastoma, Riina disse: "Todos estão procurando algo para ajudar essas pessoas".
"Mesmo quando conseguimos prolongar a vida de uma pessoa em apenas um ano, dá para um casamento ou formatura", ele continuou. "Nunca sabemos o que pode acontecer no ano que eles ganham".
O estudo, iniciado em agosto, ainda está na sua fase mais primária, ou seja, seu principal objetivo é medir a segurança, não a eficácia --descobrir se é seguro borrifar Avastin diretamente nas artérias cerebrais, e em que dosagem. Contudo, os médicos ficaram satisfeitos quando exames de ressonância magnética dos primeiros pacientes mostraram que o tratamento parecia apagar qualquer sinal de reincidência de glioblastomas. Porém, ainda não se sabe por quanto tempo dura o efeito.
"Um lindo exame de ressonância magnética não significa que o paciente está curado", disse Boockvar.
Apesar do bom resultado no exame, o primeiro paciente tratado morreu em outubro, em decorrência de pneumonia e da disseminação do glioblastoma para o tronco encefálico-espinal.
Inovações são altamente necessárias para avançar na luta contra o glioblastoma, que é "um dos tumores mais mortais existentes em humanos", disse Dr. Russell Lonser, presidente de neurologia cirúrgica do Instituto Nacional de Saúde.
"Esse é um ótimo começo", disse Lonser. "Os primeiros dados são muito interessantes e empolgantes".
A complexidade de um estudo como esse vai além da ciência. Os testes clínicos também são um pacto complicado, emocionalmente e eticamente, entre pacientes desesperados e médicos que devem equilibrar suas ambições como pesquisadores com seus deveres como clínicos. Além disso, ficam na corda bamba entre dar esperança demais ou de menos.
"Digo aos pacientes: 'Vou tentar curar sua doenças, mas, até o momento, o glioblastoma é uma doença incurável'", disse Boockvar.
Prolongando a vida
"Estou otimista", disse Sugrue, em uma manhã de setembro, depois de agendar uma segunda cirurgia no cérebro. No entanto, ele tinha lágrima nos olhos.
Há cerca de 10 mil novos casos de glioblastoma por ano nos Estados Unidos, a maioria em pessoas acima dos 45 anos. Os tumores são notórios por crescer novamente, como ervas daninhas, mesmo após serem removidos e sofrido quimioterapia e radiação, e quase sempre são fatais. Com o melhor tratamento, o tempo médio de sobrevivência é de 15 meses.
Todavia, nos últimos cinco anos, o número de pacientes que sobrevivem por 2 anos aumentou de 8% para 25%, em grande parte porque os médicos começaram a usar uma pílula de quimioterapia chamada temozolomide, ou Temodar, junto com a radiação (acredita-se que a Temodar consiga burlar a barreira hematoencefálica).
Boockvar crê que, se pudesse manter os pacientes vivos por dois anos, mais avanços poderiam acontecer e dar-lhes mais tempo.
"Estuda-se muito a população de pessoas com glioblastoma pelo fato de que, infelizmente, o prognóstico é muito ruim", disse ele.
Os pacientes muitas vezes acabam indo parar nas linhas de frente de pesquisa, com a ideia de que têm pouco a perder e esperando terem sorte o suficiente para testar o grande medicamento revolucionário. Mais de 500 estudos envolvendo pessoas com glioblastoma estão listados no site do governo americano www.clinicaltrials.gov.
Sugrue, que vive em Stamford, Connecticut, com sua mulher, Donna, e seus filhos Molly e Tim, começou a sentir dores de cabeça em abril. Um exame descobriu um tumor no cérebro quase do tamanho de uma bola de golfe. Um médico local o indicou Boockvar. Ele teve o tratamento padrão: cirurgia, pílula de temozolomide e seis semanas de radiação, que terminaram no dia 25 de junho.
Em julho, um ponto claro ameaçador em seu exame de ressonância magnética sugeria que o tumor já poderia estar crescendo novamente. Ele continuou a quimioterapia, mas o ponto continuava a aumentar.
Em meados de setembro, a família de Sugrue estava de volta ao consultório de Boockvar para planejar o próximo passo. O cabelo já crescia no couro cabeludo de Sugrue, exceto por uma região calva, ao redor de sua cicatriz em forma de arco, acima da orelha direita. Seus olhos, azuis com cílios grossos e negros e que lhe davam uma aparência jovem, buscavam o rosto do médico.
As dores de cabeça tinham voltado. Novos exames, exibidos em uma tela de computador, mostravam sinais de inchaço cerebral e pontos claros que não deveriam estar ali. Boockvar recomendou mais cirurgia, depois quimioterapia com Avastin, que tinha acabado de ser aprovada para glioblastoma recorrente.
A droga foi aprovada para uso intravenoso --para ser inserida em uma veia, geralmente no braço--, mas ele disse que Sugrue seria um candidato ideal para seu estudo, no qual a droga seria aplicada diretamente a uma artéria no cérebro, produzindo níveis pelo menos 50 vezes maiores do que a rota intravenosa poderia alcançar. Outro paciente tinha sido tratado assim, e os exames de ressonância magnética mostraram que os tumores recorrentes pareciam ter se diluído.
Sugrue concordou, embora Boockvar tenha o alertado de que a droga não era mágica. Depois, Boockvar explicou os riscos de uma segunda operação no cérebro.
"Tenho que dizer que há um risco de 5% de que você fique visivelmente fraco", disse ele. "E risco de 1% de paralisia no lado esquerdo".
Sugrue enxugou as lágrimas e começou a se desculpar por perder a compostura, mas o cirurgião o interrompeu, dizendo: "Em neurocirurgia, dizem que, se você não fez o paciente chorar, não obteve seu consentimento informado".
A ideia do teste surgiu de uma conversa, há cerca de um ano, entre Boockvar e Riina, especialista em usar microcateteres para tratar derrames.
"Eu disse: 'Por que não aplicamos quimioterapia nos meus pacientes com tumores cerebrais?'", Boockvar contou. "E ele respondeu: 'Posso fazer isso. Só me mostre o que quer fazer".
Riina disse: "Tecnicamente, posso chegar a qualquer local do cérebro".
Ele afirmou que a tecnologia de microcateter tinha avançado "anos-luz" na última década e estava apenas esperando por uma nova droga para o glioblastoma.
Eles elaboraram um plano para testar o que chamaram de "infusão cerebral intra-arterial superseletiva" de Avastin em 30 pacientes com glioblastomas reincidentes após o tratamento padrão. Cada paciente receberia apenas um tratamento direcionado ao cérebro. Semanas depois, receberiam uma série de tratamentos intravenosos com Avastin.
O estudo envolve uma técnica primeiramente desenvolvida há 30 anos, que usa o manitol para abrir a barreira hematoencefálica com o objetivo de fazer com que a quimioterapia chegue ao cérebro. O manitol elimina água das células amontoadas nos vasos capilares, para que elas encolham e se separem umas das outras, abrindo espaço através do qual moléculas de drogas podem chegar ao cérebro.
A técnica foi desenvolvida por Dr. Edward A. Neuwelt, neurocirurgião da Oregon Health Sciences University e do Veterans Affairs Hospital, em Portland. Seus melhores resultados têm sido em pessoas com um tipo raro de tumor cerebral chamado de linfoma primário do sistema nervoso central. No entanto, ela não ajudou com o glioblastoma, pois, até recentemente, não havia quimioterapia para ser aplicada capaz de ter efeito sobre os tumores.
Neuwelt afirmou que a Avastin ajudou a renovar o interesse em abrir a barreira hematoencefálica, mas que pesquisadores discordam sobre se a droga serve para esse uso.
A Avastin faz os tumores "morrerem de fome" ao bloquear o crescimento de novos vasos sanguíneos, necessários para sua sobrevivência. Boockvar afirmou que os microcateteres deveriam aumentar as chances de sucesso ao entregar uma alta dose da droga diretamente onde seja mais necessária. Pesquisas anteriores com outras drogas usaram grandes cateteres inseridos nas artérias carótidas, que alimentam todo o cérebro --isto é, o tumor não recebeu a dose mais concentrada e que o tecido cerebral saudável foi exposto às drogas tóxicas.
Em meados de novembro, os pesquisadores já tinham tratado cinco pacientes, incluindo Sugrue. Primeiro, eles aplicaram o manitol, esperaram cinco minutos, depois borrifaram o Avastin. Em todos os exames de ressonância magnética dos pacientes, os pontos claros reveladores que indicavam o crescimento do tumor desapareceram após o tratamento.
"Não posso dizer o que isso significa", afirmou Boockvar. "Ninguém sabe".
De fato, a morte do primeiro paciente foi um lembrete de que o glioblastoma pode invadir outras partes do cérebro e o líquido raquidiano, e que a dose borrifada altamente localizada de Avastin pode não atingir "sementes" mortais de câncer.
Contudo, Boockvar se mantém esperançoso em relação aos demais pacientes, descrevendo os exames como "astronomicamente muito melhores do que eu esperava".
Esperança e ansiedade
No final de setembro, Sugrue ainda estava no hospital quando Boockvar entrou apressado em seu quarto e o tirou da cama para observar seus próprios exames do "antes" e do "depois".
"Ele me levou até uma sala cheia de computadores e disse: 'Tenho que lhe mostrar isso'", recordou Sugrue. "O exame de ressonância magnética era uma beleza. Fico empolgado por ele estar empolgado. Isso representa muito para mim".
Boockvar disse: "O Avastin pode não ser a melhor droga para essa técnica. O mais empolgante em relação a nossos resultados é que provamos que há um efeito local. Suponha que alguém diga: 'Tenho uma droga muito melhor'. Agora posso dizer que, pelo menos, tenho uma forma de aplicá-la".
Com os pacientes, Boockvar anda na corda bamba, tentando falar honestamente com eles, mas sem tirar suas esperanças. Ele conhece o fardo emocional que um diagnóstico de câncer pode ter: seu próprio pai teve leucemia por oito anos e morreu em setembro. A mulher de Sugrue, Donna, disse que o médico implorou que ela e seu marido resistissem a fazer pesquisas na internet sobre o glioblastoma, pois eles só leriam que a doença é uma sentença de morte.
O casal afirmou estar tentando seguir o conselho, mas quando o tema do prognóstico apareceu em uma entrevista, ambos tinham lágrimas nos olhos.
"Não faça a pergunta se não quiser a resposta", disse Donna Sugrue. "O que tiver que ser, será. Fazemos o que podemos".
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