CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
30/08/2016 02h07
Altos reajustes nas
mensalidades para quem tem a partir de 59 anos são a principal razão que leva
idosos de São Paulo a processar planos de saúde. E as decisões judiciais têm
sido majoritariamente favoráveis à revisão dos valores.
A constatação é de um
estudo do Procon Paulistano, da prefeitura, que avaliou os 120 acórdãos
julgados no primeiro semestre deste ano pelo Tribunal de Justiça —casos já na
segunda instância.
Seis em cada dez
ações (55%) de idosos contra os planos na capital tiveram como motivo reajustes
abusivos pela faixa etária. E 93% de todos os processos tiveram decisões total
ou parcialmente a favor dos consumidores.
O Procon Paulistano
diz que muitos planos têm praticado reajustes excessivos para quem tem 59 anos,
às vezes acima do limite fixado pela ANS (Agência Nacional de Saúde
Suplementar).
O Estatuto do Idoso,
que entrou em vigor em 2004, veta reajustes por mudança de faixa etária para
pessoas com 60 anos ou mais, por julgá-la discriminatória. Antes dele, eram
autorizados aumentos de até 500% entre a primeira (até 18 anos) e a última
faixa etária (acima de 70 anos).
Uma decisão do STJ
(Superior Tribunal de Justiça) de 2010 referendou a proibição, estendendo-a
para contratos firmados antes de 2004.
Em acordo com os
planos, a ANS estabeleceu que os reajustes seriam diluídos nas faixas etárias
anteriores aos 60 anos, sendo que o valor da última (59 anos ou mais) não
poderia ultrapassar seis vezes o da primeira (até 18 anos).
"As pessoas já
começam a ser prejudicadas um ano antes de se tornarem oficialmente idosas,
justamente quando mais precisam de assistência", afirma Ricardo Ferrari,
diretor do Procon Paulistano.
Foi o caso da
secretária Claudete Vieira, 62, que aos 59 anos viu o valor do plano ir de R$
859 para R$ 1.623. Na Justiça, conseguiu reverter o aumento e hoje paga R$
1.148. "Se não tivesse processado, já estaria mais de R$ 2.000. Tem que
brigar", diz ela.
A empresária Deisy
Fleck foi surpreendida neste ano por dois reajustes: um por sinistralidade
(21%) e outro por idade (76%). Além dela, o plano beneficia o marido, também
com 59 anos, e a filha, de 11 anos. O valor saltou de R$ 4.500 para R$ 9.900.
Uma liminar derrubou
o reajuste, e a mensalidade atualmente é de R$ 4.960.
"O plano é ainda
caro, mas faço tratamento de um melanoma. Migrar para outro plano seria
complicado por causa da doença pré existente."
Mario Scheffer,
professor da USP e pesquisador sobre saúde suplementar, diz que tem havido alta
de ações judiciais entre "pré idosos", pessoas acima de 50 anos.
"Os maiores
aumentos têm ficado nas últimas faixas etárias. Eles se sobrepõem aos reajustes
por sinistralidade, aplicados pelos planos de adesão. É um modelo insustentável
para uma população que está envelhecendo."
Um estudo coordenado
por Scheffer mostra que os idosos respondem por 30% das ações contra planos de
saúde no Estado de São Paulo.
Em recente publicação
da ANS, o valor das mensalidades na última faixa etária tem ficado, em média,
5,7 vezes maior que o da primeira. Ou seja, dentro do que está previsto na
legislação.
De acordo com a
advogada Renata Vilhena, no STJ há precedentes favoráveis aos planos de saúde,
que consideram legítimo o reajuste na mudança de faixa etária, mas a maioria
das decisões é favorável ao consumidor.
Em razão do aumento
das demandas sobre esse assunto, em maio deste ano a Segunda Seção da Corte do
STJ decidiu suspendeu todas as sentenças até criar um posicionamento único para
as futuras decisões.
CORTES
DE CUSTOS
Entidades que
representam os planos de saúde dizem que os reajustes por mudança de faixa
etária são feitos dentro de limites estabelecidos pela ANS, com diluição entre
as faixas etárias mais jovens.
Segundo Solange
Beatriz Mendes, presidente da Fenasaúde, estudos apontam que os idosos chegam a
custar sete vezes mais do que os jovens em relação a itens como exames e
internações.
Por isso, não seria
possível estabelecer um aumento linear a todas as faixas etárias. "O idoso
paga mais, mas ele não paga o custo da sua faixa etária, parte é paga pelos
mais jovens. É o princípio do mutualismo. Se fosse um preço único para todos,
os jovens não adeririam ao plano. Por que pagariam um valor alto se praticamente
não vão usar?"
Ao mesmo tempo,
afirma, se os mais jovens saem dos planos, o produto se torna ainda mais caro e
mais pessoas seriam excluídas.
De acordo com Pedro
Ramos, diretor da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo), essa
diluição do custo entre as faixas etárias tem prejudicado a adesão dos mais
jovens.
Nos últimos 12 meses,
segundo ele, grande parte dos 1,6 milhão de usuários que deixaram os planos de
saúde é formada por jovens que perderam seus empregos.
No mesmo período, o
setor teve adesão de mais de 100 mil idosos. "Não é possível que se tenha
tudo, a conta não fecha. Se você enche o carrinho no mercado, tem que ter
dinheiro para pagar."
Para Ramos, a regra
do Estatuto do Idoso que veta reajustes dos planos dos mais velhos tem que ser mudada.
"Foi uma medida populista e impensada", afirma.
Luiz Carneiro,
superintendente do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), defende
que sejam criadas outras faixas de preços por idade. "Após os 60 anos, não
importa se o atendimento será para uma pessoa de 60 ou 80 anos, com doenças
crônicas ou comorbidades. O custo da mensalidade do plano será o mesmo,
corrigido anualmente conforme as cláusulas contratuais."
Para ele, a
preocupação deve ser a garantia de que os beneficiários tenham condições de
continuar arcando com o plano e que os reajustes reflitam, com equilíbrio, o
comportamento dos custos.
Os três defendem a
necessidade de um novo modelo de atenção aos idosos, com foco na prevenção e
promoção de saúde, como forma de conter os custos e melhorar a qualidade do
atendimento.
Em razão do
envelhecimento brasileiro, o total de internações de pessoas acima de 59 anos
deve crescer 105% nos próximos 15 anos, segundo projeção do IESS.
ENTENDA
A MUDANÇA
1.
Como era
Havia 7 faixas etárias, e os planos podiam aplicar reajustes de até 6 vezes entre a primeira (0 a 17 anos) e a última (70 anos ou mais)
Havia 7 faixas etárias, e os planos podiam aplicar reajustes de até 6 vezes entre a primeira (0 a 17 anos) e a última (70 anos ou mais)
2.
Mudança
Em 2004, o Estatuto do Idoso vetou aumento nos preços dos planos para pessoas de 60 anos ou mais, por considerar discriminação
Em 2004, o Estatuto do Idoso vetou aumento nos preços dos planos para pessoas de 60 anos ou mais, por considerar discriminação
3.
Como ficou
Resolução da ANS manteve o reajuste de até 6 vezes, aumentou o número de faixas etárias e diluiu esse custo entre elas
Resolução da ANS manteve o reajuste de até 6 vezes, aumentou o número de faixas etárias e diluiu esse custo entre elas
4.
Polêmica
Com aval da ANS, empresas passaram a fazer reajustes em planos de pessoas com quase 60 anos, que têm sido derrubados na Justiça
Com aval da ANS, empresas passaram a fazer reajustes em planos de pessoas com quase 60 anos, que têm sido derrubados na Justiça
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