terça-feira, 11 de julho de 2017

Célula de tumor é reprogramada para combater o câncer

Primeira fase de ensaios clínicos, cujo objetivo é atestar a segurança do método, está sendo conduzida no Princess Margaret Cancer Centre, em Toronto
Por Karina Toledo, da Agência Fapesp
access_time26 abr 2017, 10h14 - Atualizado em 26 abr 2017, 10h23


Combate ao câncer: estratégia se mostrou segura e eficaz nos testes pré-clínicos feitos com camundongos (Getty Images/Getty Images)
Reprogramar células tumorais para fazê-las produzir uma substância capaz de estimular o sistema imune a combater o câncer. Essa é a estratégia de um novo tratamento contra leucemia que começou a ser testado em humanos no Canadá.
A primeira fase de ensaios clínicos, cujo objetivo é atestar a segurança do método, está sendo conduzida no Princess Margaret Cancer Centre, em Toronto, sob a coordenação do imunologista Christopher Paige. O centro de pesquisa está vinculado à University Health Network.
Resultados recentes foram apresentados no dia 20 de abril de 2017, durante o congresso Next Frontiers to Cure Cancer, organizado em São Paulo pelo A.C. Camargo Cancer Center.
“Estamos testando essa abordagem no tratamento da leucemia mieloide aguda (LMA), um tipo de câncer que tem origem na medula óssea e acomete as células brancas do sangue. Caso funcione, o mesmo princípio poderia ser usado contra qualquer tipo de tumor com potencial para causar metástase”, disse Paige em entrevista à Agência FAPESP.
A técnica consiste em retirar células tumorais do próprio paciente a ser tratado, reprogramá-las in vitro com o uso de um vetor viral e injetá-las de volta no organismo em uma única aplicação. O objetivo é fazer com que as células malignas modificadas passem a expressar a proteína interleucina-12 (IL-12), uma citocina pró-inflamatória capaz de estimular o combate à doença.
“Para conseguirem crescer e se disseminar pelo organismo, os tumores precisam ser capazes de neutralizar os radares do sistema imune. As células malignas, muitas vezes, secretam substâncias que fazem com que as células de defesa se tornem tolerantes ao corpo estranho. A IL-12 é capaz de reverter esse perfil de tolerância”, explicou Paige.
Essa citocina pró-inflamatória, acrescentou o pesquisador, atua em diferentes níveis. Pode ativar um tipo de célula de defesa chamado linfócito T auxiliar (LT CD4+), capaz de secretar grandes concentrações de outra citocina chamada interferon-gamma (IFN-γ). Esta, por sua vez, aumenta a atividade de outras células de defesa, como os macrófagos.
A IL-12 também pode ativar os linfócitos do tipo NK (Natural Killer ou células exterminadoras naturais), importantes no combate a células tumorais. Ajuda ainda a maturar os linfócitos citotóxicos (LT CD8+), que atacam diretamente células estranhas ao organismo por meio da produção de enzimas.
“Nossa hipótese é que, ao serem recolocadas no paciente, as células reprogramadas vão se espalhar pelo organismo e alcançar os órgãos linfoides [locais onde predominam os linfócitos, como a medula óssea, o timo, os linfonodos e o baço]. Lá elas ativariam o sistema imune, que passaria a atacar tanto as nossas células reprogramadas quanto as demais células leucêmicas. Esse é o plano”, contou Paige.
A estratégia se mostrou segura e eficaz nos testes pré-clínicos feitos com camundongos. Além de eliminar a doença, proporcionou aos animais sobrevida equivalente à de roedores sadios – em torno de dois anos.
Até o momento, somente uma pessoa recebeu o tratamento. Foi aplicada uma pequena quantidade de células reprogramadas com o objetivo de verificar se há algum tipo de resposta imune, quais células de defesa estão sendo recrutadas e dosar os níveis das substâncias pró-inflamatórias liberadas.
“Vamos acompanhar esse paciente durante 30 dias, tempo suficiente para termos certeza de que não estamos causando nenhum mal ao seu organismo. Ao final desse período, se tudo correr bem, trataremos um segundo paciente. E assim continuaremos, tratando um por mês, até atingirmos 10. Devemos demorar ao menos um ano para avaliar a segurança e termos uma ideia mais clara de como o método funciona em humanos”, disse Paige.
O principal risco, segundo o pesquisador, é que o excesso de IL-12 no organismo possa desencadear uma tempestade de citocinas inflamatórias, o que poderia prejudicar o funcionamento dos órgãos e até mesmo levar à morte. Nos testes pré-clínicos, porém, não foram observados efeitos adversos graves.
População-alvo
A leucemia mieloide aguda se caracteriza pela rápida proliferação de células brancas anormais, que não amadurecem, não desempenham sua função e ainda se acumulam na medula óssea, interferindo na produção das outras células sanguíneas, como hemácias e plaquetas.
Os sintomas são muito variados, podendo incluir dor nos ossos, perda de peso, aumento dos nódulos linfáticos, anemia, infecções recorrentes, hematomas e hemorragias. A LMA representa 25% dos casos de leucemia em adultos e é o tipo que apresenta a mais baixa taxa de sobrevida.
A progressão costuma ser rápida, podendo atingir os nódulos linfáticos, fígado, baço, cérebro, medula espinhal e testículos. Atualmente, o principal tratamento é a quimioterapia, que pode levar à remissão total da doença na maioria dos casos. Porém, segundo Paige, mais de 70% dos pacientes apresentam recidiva em até um ano.
“Nosso objetivo original era testar o tratamento nesses pacientes com sinais de recaída após atingir a remissão completa. Seria uma opção a ser testada antes do transplante de medula óssea ou de células-tronco hematopoéticas – procedimento considerado mais tóxico e arriscado. Achávamos que teríamos tempo para os testes até ser encontrado um doador compatível, mas, em razão de mudanças na prática clínica no Canadá, isso está ocorrendo muito rapidamente. Tivemos então de mudar nosso critério de inclusão”, contou.
Atualmente, segundo Paige, estão sendo incluídos no estudo pacientes que já passaram pelo transplante e apresentaram recidiva. Para esses casos há poucas opções terapêuticas, em geral drogas experimentais.
“Estudos anteriores já tentaram, sem sucesso, estimular o sistema imune a combater o câncer com o uso de IL-12. Pesquisadores tentaram injetar a citocina diretamente no tumor, inseri-la em células dendríticas [responsáveis por capturar antígenos estranhos e apresentá-los aos linfócitos] e também em linfócitos infiltrados no tumor [TILs, na sigla em inglês]”, contou.
Na avaliação de Paige, a vantagem da nova abordagem é promover a disseminação de células produtoras de IL-12 em diferentes órgãos linfoides. “Ainda não sabemos qual é o melhor local para induzir a imunidade contra o câncer, mas as células produtoras de IL-12 vão se espalhar por toda parte. Além disso, o sistema imune é capaz de se adaptar caso o tumor sofra mutações, o que diminui as chances de resistência ao tratamento”, disse.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp.


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