Primeira fase de ensaios clínicos, cujo objetivo é atestar a segurança
do método, está sendo conduzida no Princess Margaret Cancer Centre, em Toronto
Por Karina Toledo, da Agência Fapesp
access_time26 abr 2017, 10h14 - Atualizado em 26
abr 2017, 10h23
Combate ao câncer: estratégia se mostrou segura e
eficaz nos testes pré-clínicos feitos com camundongos (Getty Images/Getty
Images)
Reprogramar células tumorais para
fazê-las produzir uma substância capaz de estimular o sistema imune a combater
o câncer. Essa é a estratégia de um novo tratamento contra
leucemia que começou a ser testado em humanos no Canadá.
A
primeira fase de ensaios clínicos, cujo objetivo é atestar a segurança do
método, está sendo conduzida no Princess Margaret Cancer Centre, em Toronto,
sob a coordenação do imunologista Christopher Paige. O centro de pesquisa está
vinculado à University Health Network.
Resultados recentes foram
apresentados no dia 20 de abril de 2017, durante o congresso Next Frontiers to Cure Cancer, organizado em São Paulo pelo A.C. Camargo Cancer
Center.
“Estamos
testando essa abordagem no tratamento da leucemia mieloide aguda (LMA), um tipo
de câncer que tem origem na medula óssea e acomete as células brancas do
sangue. Caso funcione, o mesmo princípio poderia ser usado contra qualquer tipo
de tumor com potencial para causar metástase”, disse Paige em entrevista à
Agência FAPESP.
A técnica
consiste em retirar células tumorais do próprio paciente a ser tratado,
reprogramá-las in vitro com o uso de um vetor viral e injetá-las de volta no
organismo em uma única aplicação. O objetivo é fazer com que as células
malignas modificadas passem a expressar a proteína interleucina-12 (IL-12), uma
citocina pró-inflamatória capaz de estimular o combate à doença.
“Para
conseguirem crescer e se disseminar pelo organismo, os tumores precisam ser
capazes de neutralizar os radares do sistema imune. As células malignas, muitas
vezes, secretam substâncias que fazem com que as células de defesa se tornem
tolerantes ao corpo estranho. A IL-12 é capaz de reverter esse perfil de
tolerância”, explicou Paige.
Essa
citocina pró-inflamatória, acrescentou o pesquisador, atua em diferentes
níveis. Pode ativar um tipo de célula de defesa chamado linfócito T auxiliar
(LT CD4+), capaz de secretar grandes concentrações de outra citocina chamada
interferon-gamma (IFN-γ). Esta, por sua vez, aumenta a atividade de outras
células de defesa, como os macrófagos.
A IL-12
também pode ativar os linfócitos do tipo NK (Natural Killer ou células
exterminadoras naturais), importantes no combate a células tumorais. Ajuda ainda
a maturar os linfócitos citotóxicos (LT CD8+), que atacam diretamente células
estranhas ao organismo por meio da produção de enzimas.
“Nossa
hipótese é que, ao serem recolocadas no paciente, as células reprogramadas vão
se espalhar pelo organismo e alcançar os órgãos linfoides [locais onde
predominam os linfócitos, como a medula óssea, o timo, os linfonodos e o baço].
Lá elas ativariam o sistema imune, que passaria a atacar tanto as nossas
células reprogramadas quanto as demais células leucêmicas. Esse é o plano”,
contou Paige.
A
estratégia se mostrou segura e eficaz nos testes pré-clínicos feitos com
camundongos. Além de eliminar a doença, proporcionou aos animais sobrevida
equivalente à de roedores sadios – em torno de dois anos.
Até o
momento, somente uma pessoa recebeu o tratamento. Foi aplicada uma pequena
quantidade de células reprogramadas com o objetivo de verificar se há algum
tipo de resposta imune, quais células de defesa estão sendo recrutadas e dosar
os níveis das substâncias pró-inflamatórias liberadas.
“Vamos
acompanhar esse paciente durante 30 dias, tempo suficiente para termos certeza
de que não estamos causando nenhum mal ao seu organismo. Ao final desse
período, se tudo correr bem, trataremos um segundo paciente. E assim
continuaremos, tratando um por mês, até atingirmos 10. Devemos demorar ao menos
um ano para avaliar a segurança e termos uma ideia mais clara de como o método
funciona em humanos”, disse Paige.
O
principal risco, segundo o pesquisador, é que o excesso de IL-12 no organismo
possa desencadear uma tempestade de citocinas inflamatórias, o que poderia
prejudicar o funcionamento dos órgãos e até mesmo levar à morte. Nos testes
pré-clínicos, porém, não foram observados efeitos adversos graves.
População-alvo
A
leucemia mieloide aguda se caracteriza pela rápida proliferação de células
brancas anormais, que não amadurecem, não desempenham sua função e ainda se
acumulam na medula óssea, interferindo na produção das outras células
sanguíneas, como hemácias e plaquetas.
Os
sintomas são muito variados, podendo incluir dor nos ossos, perda de peso,
aumento dos nódulos linfáticos, anemia, infecções recorrentes, hematomas e
hemorragias. A LMA representa 25% dos casos de leucemia em adultos e é o tipo
que apresenta a mais baixa taxa de sobrevida.
A
progressão costuma ser rápida, podendo atingir os nódulos linfáticos, fígado,
baço, cérebro, medula espinhal e testículos. Atualmente, o principal tratamento
é a quimioterapia, que pode levar à remissão total da doença na maioria dos
casos. Porém, segundo Paige, mais de 70% dos pacientes apresentam recidiva em
até um ano.
“Nosso
objetivo original era testar o tratamento nesses pacientes com sinais de
recaída após atingir a remissão completa. Seria uma opção a ser testada antes
do transplante de medula óssea ou de células-tronco hematopoéticas –
procedimento considerado mais tóxico e arriscado. Achávamos que teríamos tempo
para os testes até ser encontrado um doador compatível, mas, em razão de
mudanças na prática clínica no Canadá, isso está ocorrendo muito rapidamente.
Tivemos então de mudar nosso critério de inclusão”, contou.
Atualmente,
segundo Paige, estão sendo incluídos no estudo pacientes que já passaram pelo
transplante e apresentaram recidiva. Para esses casos há poucas opções
terapêuticas, em geral drogas experimentais.
“Estudos
anteriores já tentaram, sem sucesso, estimular o sistema imune a combater o
câncer com o uso de IL-12. Pesquisadores tentaram injetar a citocina
diretamente no tumor, inseri-la em células dendríticas [responsáveis por capturar
antígenos estranhos e apresentá-los aos linfócitos] e também em linfócitos
infiltrados no tumor [TILs, na sigla em inglês]”, contou.
Na
avaliação de Paige, a vantagem da nova abordagem é promover a disseminação de
células produtoras de IL-12 em diferentes órgãos linfoides. “Ainda não sabemos
qual é o melhor local para induzir a imunidade contra o câncer, mas as células
produtoras de IL-12 vão se espalhar por toda parte. Além disso, o sistema imune
é capaz de se adaptar caso o tumor sofra mutações, o que diminui as chances de
resistência ao tratamento”, disse.
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