O desenvolvimento de uma vacina contra o câncer é um objetivo buscado
por diversos grupos no mundo desde o início do século XX
Por Karina Toledo, da Agência Fapesp
access_time31 mar 2018, 05h55
Ao combinar diferentes linhagens
de células tumorais geneticamente modificadas, cientistas de Campinas (SP)
conseguiram resultados promissores no tratamento de tumores em camundongos. O
objetivo da pesquisa, apoiada pela FAPESP, é desenvolver uma vacina capaz de
estimular o sistema imune a combater o câncer.
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O trabalho vem sendo conduzido no
Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), do Centro Nacional de Pesquisa em
Energia e Materiais (CNPEM), durante o doutorado de
Andrea Johanna Manrique Rincón, sob a coordenação de Marcio Chaim Bajgelman.
“Testamos
várias combinações de linhagens tumorais geneticamente modificadas e algumas
foram capazes de impedir totalmente o tumor de crescer. Os resultados sugerem
que a resposta antitumoral induzida pelo tratamento é duradoura, o que seria
interessante na prevenção de recidivas”, disse Bajgelman à Agência FAPESP.
Como
explicou o pesquisador, o desenvolvimento de uma vacina contra o câncer é um
objetivo buscado por diversos grupos no mundo desde os experimentos do
norte-americano William B. Coley (1862-1936), que usava vacinas antitumorais
derivadas de microrganismos no início do século 20.
O modelo
mais bem estabelecido é a GVAX, vacina composta de células tumorais autólogas
(do próprio indivíduo a ser tratado) geneticamente modificadas para secretar a
citocina GM-CSF (fator de estimulação de colônias de granulócitos e macrófagos,
na sigla em inglês) e irradiadas para evitar que se proliferem
descontroladamente no organismo.
“A GVAX
foi testada em um modelo tumoral em camundongos, no qual as células de melanoma
[sem modificação] são injetadas na veia da cauda. O tumor se instala no pulmão
e causa a morte do animal em cerca de 28 dias. Com a GVAX [aplicada após a
doença ter sido induzida], foi possível reverter o quadro e aumentar a
expectativa de vida nos animais desafiados”, contou Bajgelman
Embora a
GVAX tenha apresentado resultados animadores em roedores, não foi observado o
mesmo desempenho nos ensaios com humanos.
A
citocina GM-CSF usada na GVAX é considerada um imunomodulador, pois estimula a
proliferação e a maturação de diferentes tipos de células de defesa. Em seu
laboratório no LNBio, Bajgelman desenvolveu outras duas linhagens de melanoma
capazes de secretar substâncias imunomoduladoras, como o ligante de 4-1BB e o
ligante de OX40L.
As
modificações genéticas foram feitas com auxílio de vírus recombinantes, que
infectam as células tumorais e levam para seu interior o gene que codifica o
imunomodulador. Depois de estabelecidas, as linhagens modificadas foram
expostas à radiação.
“Quando
irradiamos as células tumorais modificadas elas perdem a capacidade de gerar
tumor, mas ainda servem para estimular o sistema imune”, explicou.
A ideia,
com o tratamento, é fazer com que os linfócitos T – células de defesa que
coordenam a resposta antitumoral – passem a enxergar as células cancerosas como
inimigos a serem combatidos.
De acordo
com Bajgelman, dados da literatura científica indicam que portadores de câncer
costumam apresentar concentrações elevadas de um tipo de linfócito conhecido
como célula T regulatória (Treg), cujo papel é inibir a proliferação de outros
tipos de linfócitos que poderiam atacar as células tumorais.
Em uma
situação fisiológica, as células Treg têm a importante missão de trazer
equilíbrio ao sistema imune, para que tecidos do organismo não sejam atacados
desnecessariamente. Mas, em portadores de câncer, disse Bajgelman, elas podem
ajudar a proteger o tumor.
“Os
ligantes 4-1BB e OX40L podem interagir com receptores existentes na superfície
da célula T fazendo com que sua ativação seja potencializada. Nossa estratégia
foi gerar vacinas que secretam esses ligantes e combinar com a GVAX, que
secreta GM-CSF”, disse Bajgelman.
A
combinação, explicou o pesquisador, permite estimular duas etapas do ciclo
imunológico antitumoral: ativa a célula dendrítica, que é responsável por
“apresentar” ao linfócito T os antígenos do tumor, e coestimula as células T,
impedindo que assumam o fenótipo imunossupressor.
Primeiros testes
Diferentes
combinações das três linhagens tumorais modificadas foram testadas no LNBio, em
experimentos com camundongos. Tumores foram induzidos por meio de injeções
subcutâneas de células de melanoma na lateral do corpo.
“Cerca de
dois dias depois de induzir o tumor iniciamos o tratamento com as vacinas.
Foram três doses, com intervalos de dois dias cada”, contou o pesquisador.
“Testamos
as três linhagens de maneira isolada e todas elas conseguiram reduzir o
crescimento do tumor em comparação ao controle [animais que receberam apenas as
células tumorais não modificadas]. Em um segundo ensaio, testamos combinações
de duas linhagens e o tumor cresceu bem menos do que com a monoterapia. Em
alguns casos, o tumor foi totalmente suprimido”, contou Bajgelman.
Já a
combinação das três linhagens modificadas combinadas em um único tratamento
apresentou bom resultado em ensaios in vitro, mas não teve o desempenho
esperado nos testes com animais.
“Já
haviam sido descritos na literatura científica ensaios com esses
imunomoduladores feitos de maneira isolada. Nós testamos, pela primeira vez, as
diferentes combinações de linhagens imunomodulatórias”, disse o pesquisador.
Em outro
experimento, os animais que já haviam sido tratados com as combinações vacinais
que impediram o crescimento do tumor foram novamente “desafiados” – 30 dias
depois – com uma nova injeção de células tumorais não modificadas, com
potencial de formar tumores.
“Os
animais que não desenvolveram tumor no primeiro protocolo também não
desenvolveram nesse segundo desafio. Parece que o organismo criou uma memória
imunológica e foi capaz de eliminar as células assim que foram injetadas. Os
roedores foram acompanhados por mais de um ano e não manifestaram a doença”,
disse Bajgelman.
Na
avaliação do cientista, esse tipo de estratégia poderia ser usado em sinergia
com outros tratamentos, como a remoção cirúrgica do tumor e a quimioterapia.
“Não é
raro sobrarem algumas células tumorais no organismo após o tratamento
convencional. A imunoterapia poderia proteger o paciente contra recidivas.”
Os
resultados dos testes com camundongos foram divulgados em artigo publicado na
revista Frontiers of Immunology.
O grupo
do LNBio pretende agora criar linhagens tumorais modificadas a partir de
células humanas e iniciar os primeiros ensaios in vitro.
“Para
isso estamos gerando os vírus recombinantes com genes humanos. A ideia é usar
os mesmos imunomoduladores testados em camundongos”, contou Bajgelman.
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