Na postagem anterior falei sobre o mal atendimento da rede pública de saúde no Brasil. Nesta postagem estou colocando um artigo publicado no Terra Magazine em 22/07/09, que ilustra bem o caos que se encontra o SUS.
A saúde vai muito mal, obrigado
Ronaldo Correia de Brito
Do Recife (PE)
O médico comunica ao paciente internado num hospital público que sua cirurgia foi cancelada. O motivo poderá ser: o anestesista faltou, o cirurgião não veio, o elevador que dá acesso ao bloco está quebrado, a porta da autoclave (onde são esterilizados instrumentais cirúrgicos) travou, houve queda de energia e o gerador não está funcionando, o fornecedor não trouxe o material de prótese porque não recebeu pagamento, o paciente seguiu para cirurgia sem o parecer cardiológico, o médico residente não fez a reserva de sangue, as enfermeiras e circulantes de sala estão em greve, etc., etc., etc., infinito.
O paciente olha para o médico e fala:
- É a vontade de Deus, doutor.
Por sugestão do SUS - Sistema Único de Saúde -, todos os pacientes acima de sessenta anos, com traumas ósseos como as fraturas de colo de fêmur, deveriam ser operados nas primeiras setenta e duas horas para diminuir o risco de acidentes vasculares, as tromboses e embolias. Não é o que acontece na prática. Pela vontade de um Deus, que não é o mesmo de Kaká - o Deus do jogador fez que não houvesse crise financeira no Real Madri para que o atleta pudesse ser contratado, segundo entrevista de Caroline Celico, esposa de Kaká e membro da igreja Renascer em Cristo -, e ineficiência do SUS, esse limite pode se estender por meses, geralmente até a morte do paciente.
Se um paciente vai ser operado na manhã seguinte, ele precisa ficar em jejum a partir das 22 horas e sofre de estresse e a ansiedade. Geralmente não dorme, temendo o que irá lhe acontecer. Quando a cirurgia está programada para a noite, ele toma o café da manhã e não se alimenta durante o restante do dia. Suspender uma cirurgia programada é o mesmo que submeter uma pessoa ao medo, à ansiedade e ao estresse, em vão. É um ato irresponsável, não pode ser justificado por nada. Dificilmente isto acontece com pacientes particulares ou sócios de planos de saúde diferenciados.
Suspender cirurgias tornou-se uma rotina nos serviços públicos. Há pacientes recordistas, que tiveram as cirurgias suspensas até quinze vezes. Que ficaram internados durante cinco meses e acabaram sendo transferidos para outros hospitais, sem terem sido operados. Outros ultrapassam o tempo de realizar a cirurgia e consolidam as fraturas com deformidade. Os mais idosos, de tanto ficarem no leito esperando, desenvolvem escaras, infecção respiratória e urinária e chegam à morte.
O mais grave é que os pacientes não reagem, não se organizam, não se mobilizam e lutam. No Brasil, não são comuns os movimentos sociais de luta, como na França. As reações são sempre individuais. Assalta-se e mata-se. Os usuários do SUS se amontoam em corredores de emergências, parecidos com hospitais de guerra. Centenas de doentes e acompanhantes em macas desconfortáveis ou papelões. Mas nenhuma voz se ergue e brada contra a sucessão de erros. Ninguém propõe reagir ao massacre que sofrem. No máximo, roubam lençóis, ataduras, remédios e torneiras ou quebram os telefones públicos e sujam as paredes.
Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca, Livro dos Homens e Galiléia.
A saúde vai muito mal, obrigado
Ronaldo Correia de Brito
Do Recife (PE)
O médico comunica ao paciente internado num hospital público que sua cirurgia foi cancelada. O motivo poderá ser: o anestesista faltou, o cirurgião não veio, o elevador que dá acesso ao bloco está quebrado, a porta da autoclave (onde são esterilizados instrumentais cirúrgicos) travou, houve queda de energia e o gerador não está funcionando, o fornecedor não trouxe o material de prótese porque não recebeu pagamento, o paciente seguiu para cirurgia sem o parecer cardiológico, o médico residente não fez a reserva de sangue, as enfermeiras e circulantes de sala estão em greve, etc., etc., etc., infinito.
O paciente olha para o médico e fala:
- É a vontade de Deus, doutor.
Por sugestão do SUS - Sistema Único de Saúde -, todos os pacientes acima de sessenta anos, com traumas ósseos como as fraturas de colo de fêmur, deveriam ser operados nas primeiras setenta e duas horas para diminuir o risco de acidentes vasculares, as tromboses e embolias. Não é o que acontece na prática. Pela vontade de um Deus, que não é o mesmo de Kaká - o Deus do jogador fez que não houvesse crise financeira no Real Madri para que o atleta pudesse ser contratado, segundo entrevista de Caroline Celico, esposa de Kaká e membro da igreja Renascer em Cristo -, e ineficiência do SUS, esse limite pode se estender por meses, geralmente até a morte do paciente.
Se um paciente vai ser operado na manhã seguinte, ele precisa ficar em jejum a partir das 22 horas e sofre de estresse e a ansiedade. Geralmente não dorme, temendo o que irá lhe acontecer. Quando a cirurgia está programada para a noite, ele toma o café da manhã e não se alimenta durante o restante do dia. Suspender uma cirurgia programada é o mesmo que submeter uma pessoa ao medo, à ansiedade e ao estresse, em vão. É um ato irresponsável, não pode ser justificado por nada. Dificilmente isto acontece com pacientes particulares ou sócios de planos de saúde diferenciados.
Suspender cirurgias tornou-se uma rotina nos serviços públicos. Há pacientes recordistas, que tiveram as cirurgias suspensas até quinze vezes. Que ficaram internados durante cinco meses e acabaram sendo transferidos para outros hospitais, sem terem sido operados. Outros ultrapassam o tempo de realizar a cirurgia e consolidam as fraturas com deformidade. Os mais idosos, de tanto ficarem no leito esperando, desenvolvem escaras, infecção respiratória e urinária e chegam à morte.
O mais grave é que os pacientes não reagem, não se organizam, não se mobilizam e lutam. No Brasil, não são comuns os movimentos sociais de luta, como na França. As reações são sempre individuais. Assalta-se e mata-se. Os usuários do SUS se amontoam em corredores de emergências, parecidos com hospitais de guerra. Centenas de doentes e acompanhantes em macas desconfortáveis ou papelões. Mas nenhuma voz se ergue e brada contra a sucessão de erros. Ninguém propõe reagir ao massacre que sofrem. No máximo, roubam lençóis, ataduras, remédios e torneiras ou quebram os telefones públicos e sujam as paredes.
Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca, Livro dos Homens e Galiléia.
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