quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A vida depois do câncer

Resumo de um artigo da Revista Super Interessante – Edição 76 de jan. 1994 (Editora Abril)

1. Como é a vida de pessoas que já tiveram câncer e conseguiram se curar e o preconceito enfrentado.

Em cerca de metade dos cancerosos, o tumor maligno desaparece para sempre, após o tratamento. Mas o ex-paciente pode ser prejudicado pelo medo de a cura não ser completa e pela discriminação, já que muita gente ainda encara a doença como sentença de morte.

Por Lúcia Helena de Oliveira, com Thereza Venturoli

Quando escreveu para a equipe do Hospital do Câncer, em São Paulo, o garoto estava realmente zangado. Era um desabafo. Tinha feito uma malcriação qualquer e a mãe, em vez de colocá-lo de castigo como fazia com os irmãos, deixou passar barato. Ele ficou frustrado. Quando se trata de um ex-paciente de câncer, é comum um menino gostar de bronca, garante o oncologista Sidney Epelman, um dos responsáveis pelo atendimento das crianças, no hospital. Segundo o médico, o desejo número um dessa garotada é, na medida do possível, esquecer a doença, levando uma vida normal, com direito até a eventuais puxões de orelha paternos. Mas os pais, com medo da volta do câncer, superprotegem o filho. O que só aumenta a insegurança do paciente em relação à sua cura.

Em média, seis em cada dez crianças cancerosas conseguem vencer a doença a incidência pode ser maior, dependendo do tipo de tumor maligno. Em adultos, as chances de cura crescem com o aparecimento de novas técnicas de diagnóstico e tratamento (veja quadro). No entanto, quando se põe um ponto final na história do câncer, outra história está apenas começando. O medo que envolve a doença pode dobrar justamente no dia da alta médica, diz a psicóloga Maura Camargo. É como se, abandonando a quimio e radioterapia, a pessoa estivesse sendo devolvida à fera do câncer. Além de ser ex-paciente, Maura participa, em São Paulo, do Centro Oncológico de Recuperação e Apoio (CORA), um grupo de médicos e psicólogos que orientam quem está passando pela doença e quem já se curou.

O receio dos pacientes fora de tratamento é justificável: afinal, de tempos em tempos, eles têm de fazer exames de controle. Alguma célula cancerosa pode ter escapado do órgão de origem, instalando-se em outro canto do corpo, para ali recomeçar a sua reprodução desenfreada, típica da doença. Os médicos sabem, porém, que se um câncer não voltar em três anos, as chances de recidivas serão muito pequenas e, depois de cinco anos, poderá se falar em cura. Esse período costuma ser vivido de maneira estressante.

Nas vésperas dos exames, a tensão é impressionante, conta David Capistrano, prefeito de Santos, no litoral de São Paulo. Vítima de uma leucemia, há onze anos, ele acabou fazendo um transplante autólogo. A medula óssea produtora das células malignas foi arrasada por potentes medicamentos. Em seu lugar, os médicos deixaram um pedaço de medula supostamente são, retirado do próprio paciente. É, mas poderia haver uma célula doente ali também, temia o político, que também é médico e sabia o que estava enfrentando. Por isso, só nos últimos anos passou a comparecer tranqüilamente aos exames de sangue, feitos para controlar a sua saúde, a cada semestre. O que me ajudou é que evitei parar de trabalhar. Nem sempre, porém, isso é possível. Infelizmente, é comum ex-pacientes ou porque o tratamento os obrigou a faltar ao trabalho ou porque são vistos como condenados à morte perderem emprego ou ficarem encostados na empresa, sem esperança de promoção.

No caso das crianças, os serviços médicos costumam fazer de tudo para que não percam o ano letivo: Os professores nos entregam as provas e as lições, enquanto a criança está internada, conta o oncologista Sérgio Petrilli, da Escola Paulista de Medicina. Mais tarde, as escolas são orientadas no sentido de não discriminarem essas crianças, até porque não há motivos. Em populações mais carentes, um problema difícil de lidar é o do emprego dos pais. Explica-se: é aconselhável que alguém da família permaneça ao lado do paciente, nas penosas sessões de quimioterapia. Muitas vezes, a mãe não pode deixar os outros filhos sozinhos em casa, conta Petrilli. O pai, então, falta ao serviço. Depois, muitas vezes, a criança se torna uma paciente bissexta, porque o pai teme o desemprego. Sem tratamento adequado, ela perde as chances de cura.

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Um estudo feito pelo Instituto Nacional do Câncer com 2 940 pessoas ex-pacientes ou parentes de ex-pacientes revela que um terço delas tem alguma seqüela da doença na vida profissional. A pesquisa levou em consideração o caso de pessoas que preferem esconder no ambiente de trabalho que foram doentes de câncer.

A gente sabe que, no caso das crianças, a cura pode ser absoluta, diz a pediatra Sílvia Brandalise. Mesmo assim, quando se tornam adultos competentes e saudáveis, essas pessoas muitas vezes omitem que tiveram câncer, nos testes de seleção, porque senão costumam ser preteridas. O estigma da palavra câncer ainda é terrível, lamenta a médica. Por isso, em junho do ano passado, ela organizou uma comemoração, reunindo mais de 800 pacientes que passaram pelo Centro Boldrini, em Campinas, interior paulista.

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Talvez sejam necessárias mil festas como essa para convencer o pessoal das agências de seguro, por exemplo. Porque nenhum tipo de seguro, seja de vida ou de saúde, aceita quem declara ser ex-paciente canceroso. Só não aceitamos os de cânceres incuráveis, corrige Júlio Oscar Mozes, gerente da área médica da Itaú Seguros, uma das cinco maiores empresas do setor, no país. Mas há um detalhe: as seguradoras só excluem desse rol, isto é, só consideram câncer curável certos tumores de pele. O tratamento quimioterápico no Brasil ainda tem pouco tempo de experimentação para garantir seus resultados, tenta justificar Mozes. Outro detalhe: as drogas usadas aqui são as mesmas utilizadas no Exterior, em combinações determinadas por protocolos internacionais. Quem expõe dúvidas desse jeito ou é mal-informado ou está agindo de má-fé, contra-ataca o pediatra Gabriel Oselka, ex-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM). E eu não acredito, no caso das seguradoras, que seja falta de conhecimento.

Problemas como esse induzem ex-pacientes a calar sobre o seu passado. O médico Petrilli, da E.P.M., reconhece que nem sempre é fácil comentar que se teve câncer: A pessoa costuma ouvir um comentário piedoso ou é tratada com atenções especiais. Nada é pior para baixar o astral. O ser humano detesta ser subestimado. Além disso, a palavra câncer passa a ser predicativo do ex-paciente nos cochichos, ele é o fulano que aliás teve câncer.

A psicóloga paulista Lúcia Rosemberg compreende esse espanto geral: A morte é um conceito cercado de mistérios. E, quando se está diante de alguém que teve câncer, estamos de frente a uma pessoa que já experimentou a morte, analisa. A psicóloga, no caso, não se refere à morte física: Morre com o tumor uma série de manias, conceitos, convicções. Todos saem transformados, de um jeito ou de outro. Existem pessoas, segundo Lúcia, que parecem fazer um pacto com a vida olham para os lucros da experiência, ficam mais animadas do que antes, passam a valorizar mais o cotidiano e seus sonhos. Outras, porém, amargam as perdas e danos da doença. Estas, de certo modo, acabam derrotadas pelo câncer, mesmo que se curem.

2. As estatísticas da cura

Veja as possibilidades de recuperação nos dez tipos mais comuns de câncer em adultos nos Estados Unidos:

· Pulmão: No total, apenas 13% dos doentes se curam, porque a doença costuma ser diagnosticada quando já está avançada. Se é detectada no início, as chances de sobreviver sobem para 46%.

· Intestino: Diagnosticado cedo, as possibilidades de se curar são de 91% para pacientes com câncer de cólon e 85% para doentes com tumor no reto. Se a doença já se espalhou para órgãos vizinhos, as chances passam a ser 60% e 51%, respectivamente.

· Mama: A incidência de cura está em torno de 93%, quando não há metástase.

· Gânglio linfático: Órgão afetado por linfomas; 77% dos casos de tumores de Hodgkin são resolvidos, contra 31% a 51% de outros.

· Pâncreas: Apenas três em cada 100 pacientes conseguem ficar completamente curados.

· Útero: Na média, 66% das pacientes se recuperam; nos estágios iniciais, a probabilidade de cura chega a 94%.

· Medula óssea: São as leucemias. Calcula-se que 37 em cada 100 pacientes ficam recuperados. A taxa é relativamente baixa devido à queda das defesas imunológicas. Em geral, o paciente não morre por causa do câncer em si , mas de infecções oportunistas.

· Próstata: As chances de plena recuperação aumentaram de 50% para 76% na última década.

· Pele: Na maioria dos tumores, a cura é total. Nos melanomas, a remição é de 83%, quando não há metástase o que ocorre na maioria dos casos.

· Ovário: Cerca de 89% das vítimas sobreviveriam, se a doença fosse percebida nos primeiros estágios o que só acontece em 23% dos casos. Daí, o índice de cura fica em 18%, somente.
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