quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Até que enfim uma medida moralizadora contra a atuação da ANS.

Comissão de Ética pediu demissão e advertência a diretor da ANS
Folha de São Paulo
TAI NALON
DE BRASÍLIA
03/10/2013 - 13h30

A Comissão de Ética da Presidência pediu nesta quarta-feira (2) a "destituição" do diretor de gestão da ANS (Agência Nacional de Saúde), Elano Figueiredo, por "graves e reiteradas violações éticas".

Ele é acusado de ter omitido em seu currículo já ter trabalhado a favor de uma operadora de saúde, a Hapvida. Por conta disso, a Casa Civil pediu no mês passado informações à Comissão de Ética, órgão de assessoramento da Presidência.

O voto, divulgado nesta quinta-feira (3), pouco depois de Figueiredo ter anunciado sua renúncia ao cargo, julga "improcedente a alegação de ocorrência de conflito de interesses", mas, "levadas em conta todas as manifestações, especialmente as defensivas, conclui-se pela existência de graves e reiteradas violações éticas de autoria do Sr. Elano Rodrigues de Figueiredo"

Segundo a Comissão de Ética, o diretor transgrediu o artigo 3º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, que resguarda os princípios elementares do comportamento ético das autoridades a ele submetidas e tutela a clareza de posições e a máxima inspiração de confiança do público em geral.

Em voto de mais de 30 páginas, o relator do processo, o conselheiro Mauro de Azevedo Menezes, opinou pela sanção de advertência ao diretor e posterior afastamento.

Segundo Menezes, a omissão de que tinha atuado para uma operadora de saúde no passado gera "desconfiança de elevada gravidade", "isso porque o sr. Elano Figueiredo assumiu compromisso de não atuar em casos que envolvessem seus amigos clientes quando tomou posse no cargo de diretor-adjunto". "Com muito maior ênfase deveria referendá-lo ao ser empossado como diretor efetivo."

Afirma ainda que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, "ao recomendar sua nomeação à Casa Civil, foi ludibriado pela informação anteriormente prestada, mas não mantida, pelo hoje diretor da ANS".

"Diante da gravidade da conduta verificada, seja recomendada à Excelentíssima Senhora Presidente da República a destituição do Sr. Elano de Figueiredo do cargo de Diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar", pediu ainda o relator.

Demissão na ANS é ponta do iceberg chamado conflito de interesses
A demissão do diretor da ANS Elano Figueiredo é só a ponta do polêmico iceberg chamado conflito de interesses.

A sua derrocada se deu pelo fato de ele ter omitido em seu currículo enviado ao governo e ao Senado ter sido representante jurídico de uma operadora de saúde (Hapvida).

Elano trabalhou com carteira assinada para a Hapvida por quase dois anos, entre outubro de 2008 a junho de 2010. Mas no currículo encaminhado ao governo, Figueiredo informou apenas que, nesse período, trabalhou como advogado. Ele alega que a omissão se deu por questões de sigilo profissional.

Um levantamento do Idec (Instituto Nacional de Defesa do Consumidor) mostrou que a Hapvida foi a quarta operadora que mais negou cobertura aos seus usuários em 2012. Mas o instituto não relativizou o número de usuários da operadora, que é a terceira maior do Brasil em beneficiários, com o de reclamações.

De acordo com a ANS, que relativiza os números, a operadora está em 27º lugar no índice de reclamações entre as cem maiores.

Enquanto esteve advogando para a Hapvida (e depois para a Unimed), as ações impetradas por Elano buscavam reverter punições aplicadas à empresa por se negar a pagar o tratamento de segurados.

Mas esse tipo de expediente não é exclusivo de Elano. Vários diretores que já passaram pela ANS tiveram altos cargos nas operadoras de saúde e, depois de deixarem a agência, voltaram para o setor privado, um movimento que já foi apelidado de "porta giratória".

A ANS, órgão do governo responsável por fiscalizar os planos de saúde e mantido por recursos públicos, leva até 12 anos para analisar processos em que operadoras de planos de saúde são acusadas de irregularidades contra seus clientes.

A agência diz que segue um processo legal para a aplicação de penalidades contra as operadoras e que não há impedimento que proíba que seus diretores venham ou retornem ao mercado de planos de saúde. Argumentam que tais pessoas "entendem do setor".

A saída de Elano é bom momento para discutir a questão dos conflito de interesses não só na ANS, mas também em outras agências regulatórias do país.

Um outro exemplo instigante: uma antiga gerente da área de propaganda de medicamentos da Anvisa agora é alta executiva da Interfarma (associação que representa as multinacionais farmacêuticas no Brasil).

O discurso dela, antes anti-indústria, agora está totalmente afinado com o dos laboratórios. Sabe de cor e salteado a retórica contrária e os próprios planos que a Anvisa tinha para o setor.

Não há nada de ilegal nisso, é claro, mas rende bons questionamentos no campo da bioética. Não é hora de o governo federal prestar mais atenção nessas relações conflituosas entre os seus funcionários e o setor que deveriam fiscalizar?

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