Especialistas comentam sobre os efeitos de famosas partilharem a batalha contra suas doenças
Fernanda Aranda, iG São Paulo
A técnica de enfermagem Solange Gomes de Oliveira, 54 anos, nunca foi do tipo que chora em novela. Mas fica emocionada só de falar das atrizes Drica Moraes, Márcia Cabrita, Patrícia Pillar. Também “tem o coração tocado” pelas apresentadoras Hebe Camargo e Ana Maria Braga. Ela resume estas sensações em duas palavras: “Identificação e admiração”.
A conexão entre a mulher de vida anônima, que mora no Rio de Janeiro, e as famosas de todo País acontece por causa do câncer, doença em ascensão e segunda causa de morte nacional. Há 11 anos, Solange convive com o diagnóstico do tumor maligno nas mamas. Para ela, acompanhar pelo noticiário uma batalha semelhante travada por estas e outras pessoas de vida pública traz a ideia de que elas façam parte da mesma turma.
“Nunca fico feliz quando vejo alguém famoso com câncer. Não é isso”, explica. “Mas quando leio que elas voltaram para o trabalho, tiveram filhos, estão felizes e tocando a vida, passeando de lenço ou de peruca pela rua, é uma fonte de energia para continuar a minha luta e ajudar na luta de outras pessoas”, explica Solange, que ainda trata as sequelas do câncer, mas já está recuperada e começa agora um trabalho para levar informações para outras pacientes.
“Ao mesmo tempo, sou capaz de sentir a dor e o medo destas mulheres famosas quando vejo que algum tratamento não deu certo ou que existiu algum tipo de recaída”, complementa.
“Musas”
Partilhar um problema de saúde tão peculiar – que traz para perto a sensação de morte e solidão – funciona como uma via de mão dupla de benefícios, tanto para anônimas quanto para famosas. Para as primeiras, fica mais fácil compreender que o câncer é uma doença democrática, que pode acontecer com qualquer um. Além disso, explica Cristina Volker, presidente da Sociedade Brasileira de Psico-oncologia e pesquisadora da área há 25 anos, também há a criação de referenciais positivos de superação da doença, o que pode resultar em maior confiança e adesão ao tratamento, dois pontos chaves na recuperação.
Já para as pessoas públicas, dividir medos e anseios depois de detectado o tumor tem como consequência benéfica o desencadeamento de uma rede de apoio e conforto. A gratificação em ser inspiração para uma atitude positiva também conta pontos a favor na interação com o público.
Para a atriz Márcia Cabrita, 46 anos e em tratamento para um câncer de ovário, é muito positivo ler os comentários deixados no blog mantido por ela chamado Força na Peruca.
“Saber que de alguma forma a leitura faz bem para as pessoas é gratificante, me anima”, disse em entrevista ao Delas.
Márcia utiliza o humor – característica sua que ganhou fama nacional com o seriado Sai de Baixo, no papel de Neide – para falar da doença, superação e das pedras no caminho que o diagnóstico impôs.
“Este é meu estilo, faz parte da minha personalidade. Não falo do tratamento porque não sou médica e não saberia escrever sobre isso. Falo sobre mim. Escrevo quando tenho vontade e não sinto nenhum tipo de pressão para estar sempre bem ou por ser esta referência”, explicou.
Cotidiano
Na avaliação da Associação Brasileira de Apoio ao Paciente com Câncer (Abrapac) – entidade da qual a técnica de enfermagem Solange faz parte – quando os famosos enfrentam enredos reais da doença criam uma conexão com os outros pacientes. Aquela sensação ruim trazida pela dúvida “poxa, por que comigo?” é de certa forma amenizada. A rotina pesada de exames, sequelas e privações é comum a grande parte dos 489.270 casos de câncer registrados anualmente pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), inclusive de atores, atrizes e personalidades.
Notícias sobre os famosos
Drica Moraes, atriz de 42 anos, por exemplo, contou ao programa Fantástico, da Globo, que ficou 120 dias internada em um hospital por causa da leucemia. “Era uma clausura, o toque com o outro era proibido (ela tinha acabado de começar a namorar e seu filho adotivo tinha um ano)", falou ao programa. "Fiquei dois meses sem poder escovar os dentes. Foi uma fase difícil, em que você chora muito. Eu tinha raiva. Chegava e jogava coisas na parede”, completou.
Drica não foi a única. O símbolo do bom-humor e do alto astral, Hebe Camargo, também partilhou as dificuldades do seu câncer. “Fiz quimioterapia, fiquei careca, comprei peruca”, disse à Revista Quem. A apresentadora do SBT teve câncer de peritônio, uma membrana do intestino, tumor raro, segundo os médicos, mas que exige tratamento padrão, semelhante ao de outros cânceres.
A perda dos cabelos, um dos sinais mais clássicos do tratamento quimioterápico, também foi vivida por Dilma Roussef, presidente eleita do País. Ela desfilou de peruca durante o ano de 2009, pouco depois de anunciar que tinha linfoma, um outro tipo de câncer.
Em outros anos, Patrícia Pillar, Ana Maria Braga, Glória Perez, o vice-presidente José Alencar, o sambista Neguinho da Beija Flor, são outros exemplos que, sem máscaras, mostraram suas carecas e o enfrentamento de seus cânceres.
Além da doença
Mas o grande ponto de virada é que todas estas pessoas, de certa forma ,conseguiram representar mais do que o câncer, avalia a psicóloga Cristina. Eles até são lembrados por isso (doença), mas não só por isso.
Esta é de fato uma preocupação de Márcia Cabrita, que é avessa a dar entrevistas sobre sua doença. Sua conversa com o Delas teve apenas alguns segundos de duração. A técnica de enfermagem Solange entende a cautela. Segundo ela, "seria ótimo que todas os atores que tivessem um câncer diagnosticado fossem ao público e falassem sobre o problema, para conscientizar e alertar a população”, diz. Mas a plateia aplaude muito mais quando estas personagens da vida real retocam o batom e entram em cena para outro papel, que não é mais o de doente.
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