quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Estudo mostra que diagnóstico do câncer infanto-juvenil demora até oito anos

Dados da UFMG alertam para a necessidade de identificação ágil da doença, a que mais mata brasileiros de 1 a 19 anos no país; chances de cura, que são altas, dependem disso
Priscilla Borges - iG Brasília | 06/12/2013 06:00:00
Diagnosticar o câncer infanto-juvenil de forma rápida ainda é um desafio para o país. Dados de um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostram que alguns pacientes aguardaram até oito anos para descobrir a doença. O câncer infanto-juvenil é raro quando comparado ao adulto, porém é a doença que mais mata crianças e adolescentes de 1 a 19 anos no Brasil.
O Observatório da Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG monitorou prontuários dos jovens pacientes do Hospital das Clínicas entre 2004 e 2012. De 488 suspeitas, 364 (74,5%) foram confirmadas. Do total, 42% dos casos eram tumores do sistema nervoso central, que só foram identificados entre quatro e seis meses depois dos sintomas. Para tumores de partes moles (vísceras e epiderme), o tempo foi de sete meses.
“O diagnóstico ainda é tardio, porque o câncer infanto-juvenil é uma doença rara. Não é a primeira hipótese que o pediatra vai levantar e os sinais iniciais da doença são comuns, como febre, dor de cabeça, vômitos, aumento de gânglios”, pondera Karla Emilia de Sá Rodrigues, oncologista pediátrica, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG e autora da pesquisa.
Segundo Karla, o objetivo do estudo é alertar especialmente os serviços médicos sobre o tema. “Apesar de raro, o câncer já mata mais crianças e adolescentes que desnutrição e doenças infectocontagiosas. Só não perde para causas externas, como violência e acidentes. Já avançamos muito no tratamento e chegamos a índices de cura entre 70% e 80% do câncer entre crianças e adolescentes. Mas isso depende do diagnóstico precoce”, comenta.
O Instituto Nacional do Câncer (Inca) contabilizou, em 2011, 1.288 mortes de jovens de 0 a 19 anos por causa da doença. Do total, 147 ocorreram na região Norte, 365 na Nordeste, 490 na Sudeste, 192 na Sul e 94 na Centro-Oeste. A estimativa é de que 11.530 novos casos de câncer em crianças e adolescentes sejam registrados este ano. Eles representam 3% da incidência total da doença na população brasileira.
Para Isis Quezado Magalhães, diretora técnica do Hospital da Criança de Brasília José de Alencar, referência para o tratamento da doença na capital federal, os médicos generalistas precisam estar atentos e encaminhar qualquer suspeita para um centro de referência. Ela lembra que até a identificação das células malignas depende de um treinamento específico dos profissionais. “Nem sempre é fácil perceber a doença”, diz.
Pouco conhecimento
Os especialistas acreditam que a oncologia pediátrica precisa ser mais discutida dentro das universidades. Os currículos ainda tratam pouco do câncer em crianças e adolescentes. Além de a biologia dos tumores ser diferente em crianças e adultos, muitos médicos passam anos sem atender um paciente com câncer. Segundo Carla, os pediatras generalistas recebem um paciente com câncer a cada sete anos.
“Por isso, os profissionais de saúde têm de saber para onde mandar os casos suspeitos. É importante ter centros de referência para que o diagnóstico seja mais preciso. A experiência mostra que o câncer infantil precisa ser tratado de forma centralizada, por uma equipe multidisciplinar e especializada”, ressalta Isis. No DF, é o Hospital da Criança quem recebe esses pacientes. A meta é que eles sejam atendidos em até 48 horas lá.
O câncer nas crianças e adolescentes é mais agressivo. Por outro lado, essa rapidez na multiplicação das células nos jovens se torna uma aliada, porque aumenta a chance de resposta aos medicamentos. A grande arma contra a doença em crianças e adolescentes é a quimioterapia. “O diagnóstico tardio, além de diminuir as chances de cura, aumenta as chances de sequela, porque o tratamento é mais forte”, ressalta Karla.
Khetlen King, 24 anos, comemora o fato de ter conseguido atendimento adequado para a filha em cerca de dois meses. A pequena Alexandra, de 7 anos, sentia muitas dores na barriga, que passaram para a garganta e uma febre que não cessava. Ela não descansou enquanto não descobriu o que a filha tinha. Entre idas e vindas a hospitais em Boa Vista, Roraima, recebeu o diagnóstico de leucemia. “Fiquei sem chão. Lá não tem tratamento”, diz.
Há três meses, ela e a filha se mudaram para Brasília em busca de tratamento. Mesmo perdida, sem conhecer ninguém na cidade, ela veio para a consulta no Hospital da Criança. “Foi maravilhoso o acolhimento, o tratamento que recebi”, afirma. As duas encontraram na Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace) o apoio que precisavam: casa, comida, transporte na cidade.
A Abrace ajudou, há dois anos, a construir o hospital que já realiza 1.230 atendimentos só na hematologia e oncologia por mês. A unidade já está sendo ampliada para construir 200 novos leitos para internação. Os ambientes do hospital foram todos desenhados para dar mais conforto aos pacientes. As famílias recebem todo o atendimento necessário: assistência social, nutrição, psicologia, fisioterapia.
Khetlen está esperançosa e já vê os avanços da filha no tratamento. A leucemia é o tipo mais frequente de câncer em crianças. Corresponde entre 25% e 35% de todos os tipos. O exemplo da jovem de Roraima serve para reforçar o recado das médicas Isis e Karla. “Os pais não precisam entrar em pânico. Mas as queixas das crianças devem ser valorizadas por eles e as deles, pelos médicos. Mas a avaliação deve ser feita pelo profissional de saúde”, diz Isis.
Promovendo a união
No Rio de Janeiro, outro projeto melhorou os índices de atendimento rápido de crianças com suspeita de câncer. O Unidos pela Cura é um projeto encabeçado pelo Instituto Desiderata, que ajudou a articular o atendimento nos hospitais públicos cariocas. Desde 2006, a proposta é reunir quem atua com essas crianças – organizações, hospitais, centros de saúde – para garantir diagnóstico precoce e atendimento de qualidade.
A meta é garantir que todas as crianças sejam atendidas em até 72 horas nos centros de referência para o câncer. Segundo Roberta Costa Marques, diretora executiva do Instituto Desiderata, 70% das crianças são atendidas em até 15 dias e 30% em até sete dias.
“Apresentamos uma carta de recomendações sobre o tratamento do câncer infanto-juvenil para os gestores, pedindo melhorias de acesso a tratamento, humanização no tratamento, integração de sistemas de acesso às consultas (hoje o do estado não conversa com o do município, por exemplo). O SUS é integração. É isso que precisamos”, avalia.

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