Implacável otimismo pode ser mais prejudicial para pacientes do que a doença em si
Médicos são considerados os precursores de más notícias, pessoas que usam palavras frias como "prognóstico." Mas os estudos mostram que eles são tão capazes de emoções quanto seus pacientes. De acordo com um estudo publicado em 2000 na revista médica britânica BMJ, cerca de dois terços dos médicos superestimam a sobrevida de pacientes com doenças terminais.
Um estudo de pacientes com câncer e seus médicos no Annals of Internal Medicine, descobriu um ano depois que muitos médicos não chegam a dizer aos pacientes a verdade sobre seus prognóstico. Os médicos que acreditam na sobrevivência de seus pacientes são 37 %: os que se recusam a fazer qualquer estimativa correspondem a 23%. Cerca de 70% das estimativas discrepantes foram excessivamente otimistas.
Esse otimismo está longe de ser inofensivo. Direciona os médicos a apoiar tratamentos que provavelmente não vãoi salvar a vida dos pacientes, embora possam causar-lhes um sofrimento desnecessário e fazer com que suas famílias acreditem na falência médica.
Uma fonte desse otimismo é a cultura pop, que muitas vezes retrata recuperações heroicas de situações aparentemente fatais. Outra é a experiência das escolas de medicina. O que motiva os estudantes de medicina cansados é a esperança de que um dia as intervenções que realizam vão salvar vidas e curar famílias.
Mais tarde, nosso juízo se torna pouco claro sobre como construir relacionamentos com os pacientes, compartilhar seus medos e ansiedades, valorizar suas pequenas vitórias .
E, no entanto, estudos têm mostrado que os pacientes quase universalmente preferem saber a verdade. Se os médicos não podem entregar os fatos, não só eles vão privar seus pacientes de informações cruciais, como também vão adiar a conversa sobre a introdução de cuidados paliativos.
Cuidados paliativos modernos se originaram em resposta à proliferação de novos tratamentos e tecnologias de reanimação. Manter um paciente "vivo" tornou-se mais fácil. E ainda a definição de "vivo" sofreu - com a qualidade de vida frequentemente sendo usurpada de seu tempo de vida.
Os cuidados paliativos foram a primeira abordagem alternativa que a medicina alopática ofereceu a pacientes e agora ganharam uma ampla aceitação. Um dos maiores marcos para cuidados paliativos foi um estudo publicado em 2010 no The New England Journal of Medicine, que mostrou que os pacientes com câncer de pulmão que no início tiveram cuidados paliativos integrados ao tratamento do câncer, padrão não só ter uma melhor qualidade de vida, mas viver poucos meses mais do que aqueles que receberam o tratamento padrão sozinho. No entanto, usamos esta estratégia muito menos do que deveríamos. Continua a se insistir em tratamentos mais invasivos, mesmo quando há pouca chance de que eles vão trazer resultados satisfatórios.
Não são apenas os médicos os culpados pela falsa esperança - os pacientes também são.
Quando eu me tornei um residente, um dos meus pacientes foi uma mulher idosa com um tumor, que continuou crescendo, apesar dos tratamentos mais poderosos: quimioterapias (leia-se, tóxico). Ela foi alvo de uma infecção, ficou com as células brancas do sangue quase completamente esgotadas. São justamente elas as responsáveis contra tais invasões ao corpo. E, no entanto, ela queria mais do mesmo, mais quimioterapia, mais radiação, mais entubações e mais ressurreições.
Eu queria fazer tudo o que podia para salvá-la, mas lembrei-me da paciente do meu estágio, aquela com insuficiência cardíaca, e eu não queria cometer o mesmo erro. Eu sabia que havia apenas algumas coisas que podemos fazer para proporcionar conforto real. Então esvaziei uma sala de espera para criar um local seguro para a filha da paciente, de sua procuração com os equipamentos de saúde. Esta não foi a primeira vez que ela ficou entre médicos preocupados, os quais conhecia muito bem, assim como a magnitude da doença de sua mãe e da inutilidade de continuar o tratamento.
No entanto, ela afirmou que sua mãe iria querer tudo, de entubação e respiração mecânica para reanimação cardíaca à ressuscitação cardiopulmonar. Mostrei-lhe que as chances de sua mãe estavam sendo garantidas pelas manobras tecnológicas e que ela poderia ter uma vida além do fim brusco de uma máquina de respiração.
O estado do paciente piorou. O tumor cresceu a tal ponto que tivemos que colocar em um tubo para esvaziar os intestinos. Ela desenvolveu coágulos nos pulmões, mas não poderia tratá-los com diluentes de sangue, pois ela já estava com hemorragia interna. Ficou claro para a equipe que a coisa mais humana a fazer seria se concentrar em seus sintomas e mantê-la confortável ao invés de tentar prolongar sua vida.
Mas não havia nada que pudéssemos fazer para erradicar o horror do otimismo irracional que se espalhou por seu corpo como um câncer incontrolável, conclui o artigo de Haider Javed Warraich.
*Haider Javed Warraich é residente em Medicina interna no Beth Israel Deaconess Medical Center e autor do romance Auras do Jinn.
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